QUIXABA, NOTA 10


Num país, onde se permite um ministro da Educação, com mais de 90 dias de universidades federais em greve, permanecer no cargo, arrotando bosteiras (besteiras que fedem) por todos os lados, acovardado e submisso aos ditames financistas da burocracia fazendária, um exemplo pernambucano dignifica o todo nordestino e mostra que nem tudo é fingimento arrivista. E o exemplo que engrandece Pernambuco vem de Quixaba, um município de apenas 21 anos de idade, distante 328 quilômetros da capital pernambucana, cujas escolas municipais chamam a atenção pelos resultados obtidos no Ideb, indicador de qualidade aferido pelo Ministério da Educação, conforme reportagem publicada no Jornal do Commercio de domingo 26 de agosto, da arguta jornalista Margarida Azevedo.

Qual a receita do sucesso das escolas municipais de Quixaba? Ei-la, para às demais escolas públicas estaduais: incentivo à leitura, ampla participação dos pais, aulas de reforço no contraturno ministradas por professores voluntários, acompanhamento regular dos indicadores educacionais e suporte e monitoramento periódico do desempenho de cada aluno. Sem equipamentos sofisticados, sem refeitórios, sem tablets e outras tecnologias anestésicas e sem brinquedos nos pátios. Com uma biblioteca classificada como um dos lugares mais frequentados pelos alunos, onde os discentes de uma determinada turma leem em média quatro livros por semana. E mais: dos docentes de Quixaba, 70% têm graduação e especialização, o piso salarial calculado pelo MEC sendo pago pela Prefeitura Municipal. E os que fazem faculdade nos municípios de Afogados de Ingazeira e Serra Talhada, sejam professores ou não, dispõem de ônibus custeado pelos cofres municipais.

A cada dois meses se efetiva um diagnóstico do desempenho de alunos, professores e gestores. E todos os alunos participan da Olimpíada de Matemática, os que ultrapassam a primeira etapa recebendo reforços diários de colegas mais adiantados. Numa louvável solidariedade!!

Recordo-me, para efeito de apenas comparação, de uma história verídica contada pelo escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da consagrada peça Baile do Menino Deus, no seu livro Crônicas para Ler na Escola, Objetiva, 2011. Transcrevo-a sem nada excluir: “Um dia, convidaram-me no Recife para conversar com uma turma de colégio de classe média. A escola decidira fazer um espetáculo de Natal e os meninos, em torno de vinte, escreveriam o texto. Queriam minha ajuda. Um empurrãozinho. Aceitei e fui ao encontro. Eram crianças inteligentes, com certa automação dos jogos de computador e video games. Propus um começo. Anotaríamos a lista dos personagens do Natal, os mais importantes. Gritaram todos ao mesmo tempo. Pedi ordem. Surgiram os nomes, as figuras famosas das decorações natalinas dos shoppings: Papai Noel, o trenó, as renas, a árvore de Natal, a neve. Estranhei as respostas. Insisti. Lembraram os gnomos, os duendes, a oficina de brinquedos do Gepetto e os anõezinhos de Branca de Neve. Assustei-me. Não acreditava no que ouvia. Não é possível! Quem são os verdadeiros personagens da festa de Natal? Aqueles, sem os quais nada teria acontecido. Todos concentrados. Espera aí … Espera aí … E nada. Não vinha um nome. Apelei. Lembrassem pelo menos do principal, o mais importante, o que deu origem à noite de Natal. Por fim, um geniozinho gritou: – Já sei! Já sei! Que alívio!! E com ar vitorioso anunciou: – O peru da Sadia.”

Já escrevi certa feita, na revista ALGOMAIS, que a alienação cultural contada pelo Ronaldo Correia de Brito não é fato isolado, tampouco exceção. Trata-se de uma pandemia, reflexo de uma gigantesca irresponsabilidade política dos poderes públicos brasileiros, onde a ausência de bibliotecas lembra táticas reacionárias para a perpetuação de inúmeros sem possibilidade de discernir entre promessa e pilantragem, política e politicagem, bons propósitos e vigarices travestidas de cínicos bons-mocismos eleitoreiros.

Apontaria, aqui, três sugestões que alavancariam a efetividade do PNE ora tartarugando pelo Congresso Nacional, sem uma mínima pressão do Ministério da Educação. A primeira, nacional, a criação do Banco Nacional da Educação, destinado exclusivamente ao controle e distribuição dos recursos aplicados a Estados e Municípios, assegurando a efetiva supervisão dos investimentos efetivados. A segunda, mais especificamente voltada para Pernambuco, a estruturação de Bibliotecas-Faróis nos principais centros urbanos do estado, embasada numa dinâmica relacionada com Ciências Humanas e Sociais, Tecnologia e Meio Ambiente, além da área de Cultura Geral. A terceira adviria de exemplares punições, embasadas em legislação específica e em sintonia com o Ministério Público Estadual, para aquelas unidades escolares que amontoam livros do MEC em caixas rigorosamente lacradas, desrespeitando elementar direito discente, o de saber mais para ser e ter mais.

Saibamos caminhar sem os olhares de catarata identificados pelo Martin Amis, um escritor inglês contemporâneo. Enfrentando burocratismos cavilosos, que fazem lembrar a definição de Honoré de Balzac, autor da Comédia Humana: “Burocracia é um mecanismo gigante operado por pigmeus”. E reverenciamos o notável Darcy Ribeiro: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

(Publicada em 03/09/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves