QUASE UMA FRIA


Pela primeira vez na vida, eu entraria numa fria gigante, dessas que afolozam você pro resto dos seus dias. Explico: uma amiga minha, freira setuagenária, incansável leitora de bons livros, inteligência raríssima num mundo religioso onde a maioria ainda é possuidora de uma criticidade ameninada, faria mais um ano de vida, com direito a presentes, bolos, guaranás e parabéns. E eu, como só gosto de presentear livros, resolvi dar uma pesquisada por alguns sites. Num deles, meio apressado, deparei-me com o título Um Rabisco de Deus, de Tom Hickman, veterano jornalista, editor e ex-produtor da BBC, também autor de diversos textos, inclusive um, O Segurança de Churchill, com várias premiações internacionais pelas revistas especializadas.

Autorizei o envio via Sedex, abrindo o pacote para pôr uma dedicatória fraternal. O susto que tomei foi do tamanho de um bonde, como classificava vovó Zefinha, também madrinha brabosa que sempre me aprumou quando menino. O livro encomendado tinha um subtítulo: O Pênis, da criação aos dias de hoje. Um trabalho de muita pesquisa, editado pela Bússola, São Paulo, 2013, seguindo a classificação feita por Sófocles: “quem tem um pênis é estar acorrentado a um louco”. E o autor, em Um Rabisco de Deus, ressalta “a história do pênis proveniente da mitologia, das culturas universais, da religião, da literatura, da ciência, da medicina e da vida contemporânea, com seus altos e baixos – o macabro e o apavorante, o engraçado e o triste -, tudo narrado com uma inteligência mordaz”. Um livro não pornográfico, não imoral, sem cafajestagem, tampouco chulo, a reproduzir em suas páginas uma reflexão de Leonardo da Vinci, gênio da Renascença, escrita quinhentos anos atrás, sobre a relação entre o homem e seu pênis: “O pênis tem acordos com a inteligência humana e às vezes demonstra uma inteligência própria, a qual um homem deseja estimular, mas ele fica obstinado e segue seu curso… Eis porque se diz que essa criatura parece ter vida e inteligência separadas das do homem”.

Uma história do livro, contei à freira amiga, entre bolos e guaranás: um dia, o notável Alfred Kinsey, autor do clássico Sexual Behavior in the Human Male, perguntou a uma aluna puritanosa de uma sala de aula qual o órgão do corpo humano era capaz da maior expansão. A babaca esperneou: – Professor Kinsey, o senhor não tem o direito de me fazer essa pergunta. No que Kinsey respondeu: – Eu estava pensando no olho – na íris do olho. E você, jovem senhora, está a caminho de uma grande decepção!

Todos riram e o resto eu conto: a freira amiga quis porque quis que eu emprestasse o livro para ela também se inteirar do assunto. Confesso que emprestei…

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 10.01.2014
Fernando Antônio Gonçalves