PURA REALIDADE


O pronunciamento feito pela presidenta Dilma Roussef na abertura da Assembleia Geral da ONU deve ser entendido como um SOS planetário, dirigido aos mais variados recantos políticos de um mundo que está assistindo o massacre de milhões de seres humanos pela desnutrição e pela incultura, o principal escândalo planetário desta segunda década de século.

Um fato, acontecido numa sala de aula de instituição de nível superior, área de Ciências Humanas, tipifica exemplarmente a realidade atual. Uma professora concluía suas últimas orientações para os alunos que realizariam prova final na segunda-feira seguinte. Alertou que não haveria desculpas para a ausência de nenhum aluno, salvo por força de um grave acidente, doença ou a morte de algum parente próximo, posto que a prova estava de acordo com os ensinamentos ministrados em sala de aula, no semestre que findava. Um engraçadinho, moleque branquelo de classe mé(r)dia desorientada, sentado ao fundo da sala, perguntou com nítidas intenções esculhambativas: – Professora, dentre esses motivos justificados apresentados pela senhora, podemos incluir o de extremo cansaço por atividade sexual no final de semana?

A classe explodiu em descontroladas gargalhadas, com a professora aguardando pacientemente que o silêncio voltasse a imperar. Restabelecida a calma, ela respondeu, encarando com profissional serenidade o quase-animal: – Isto não é um motivo justificado. Como a prova foi elaborada em forma de múltipla escolha, você pode vir para a classe e escrever com a outra mão … Ou, se não puder sentar-se, pode respondê-la em pé. Silêncio absoluto, o zé-bostinha com o rabo entre as pernas. Ampliado em muitos pontos o respeito pela competente docente, o resultado final reprovador da prova efetivada pelo gaiteiro correspondeu ao seu nível de civilidade. Para todo idiota, qualquer resposta inteligente serve.

Como anda o cabedal técnico das universidades conceituadas? E a quantas anda o capital cultural nos estabelecimentos ditos de nível superior? Nos ainda umbrais de um novo milênio cercado de muita miséria, fome às pencas, egoísmo consumista, declínio do poder público, afoitezas do crime organizado, ascensão do ódio étnico, mídia sem criatividade, mercado tido como saída única e colapso das sadias tradições e valores universais, indispensável de torna a edificação, mesmo a partir de doses homeopáticas, de um consistente conteúdo cultural. Com sólidos recheios de ética ambiental, cidadania planetária e solidariedade social. Somente através de um baita capital cultural desenvolvido nos ambientes universitários, poder-se-á compreender porque ser intelectual é, criticamente, saber enfrentar os adesismos desenfreados e rejeitar de pronto os menosprezos pelos que não possuem vez nem voz.

Todo aquele que amplia sua cidadanização emite sinal vermelho para que os que estão na primeira fila do espetáculo do desenvolvimento, muito embora não saibam olhar para os dos lados, tampouco para para os que ficaram atrás. Sem atentarem para a possibilidade de a primeira fila vir a tornar-se também a última. Uma fila única no final dos desajustes.
PS. Para o ex-reitor Amaro Lins, UFPE, os aplausos pelo bom desempenho dos seus mandatos.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 30.11.2011
Fernando Antônio Gonçalves