PROTESTOS, OPORTUNISMOS E FROUXURAS


Confesso meu orgulho quando vi as multidões nas ruas protestando contra a corrupção geral que campeia no país inteiro, misturando alhos e bugalhos, Collor com Rui Falcão, Sarney com Mercadante, Maluf com outros bandidos que iludem um eleitorado ainda pouco cidadanizado até bem pouco tempo, quando a gota d’água extrapolou através de um aumento de passagens de ônibus.

Inúmeros sinais não foram detectados pelo puxa-saquismo planaltino de plantão, pelos oportunistas de carteirinha e os omissos de sempre, tecnocratas cinicamente imbricados com um assistencialismo barato e cafajéstico. A arguta colunista Eliane Cantanhede enumerou alguns deles em crônica recente da Folha de São Paulo: condenados pelo STF ainda com mandatos eletivos, alguns até integrando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal; pastor de viés racista e homofóbico presidindo com deliberado cinismo a Comissão de Direitos Humanos, num deboche que clama aos céus; senador que saíra recentemente da presidência do Senado pelas portas dos fundos, novamente se instalando na mesma cadeira da qual fora defenestrado; arauto moralizador do Senado sendo desmascarado como abridor de portas de um bicheiro corruptor; Ministério Público sendo ameaçado de perder o seu papel investigativo por um Congresso Nacional sem qualquer qualificação moral; chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, de postura piniqueiral diurna e noturna de há muito conhecida até pelo ex-presidente Lula, seu íntimo nas horas deitadas até nas viagens oficiais; perambulações internacionais de ex-presidente, em jatos de portentosas empreiteiras, para intermediar altas negociatas com ditaduras sangrentas e também altamente corruptas; ex-ministro demitido em dois governos possuindo voz em reuniões estratégicas da atual presidência; vice-governador tucano cinicamente encarapitado como ministro de estado petista; matanças à toa, os estupros causando linchamentos nas mais diversas regiões do país. Para não falar dos vandalismos provocados por uma impunidade vinda dos altos escalões, justiça tartarugal, educação básica desprofissionalizante, saúde de botequim e segurança de péssima qualidade estratégica.

Na semana passada, a imprensa noticiou o suprassumo do descaramento. Reproduzo sem acrescentar uma só vírgula: “Quem viveu viu. Antagonistas em 1992, Fernando Collor e a União Nacional dos Estudantes estão do mesmo lado em 2013. O presidente do impeachment e a entidade que foi às ruas para exigir sua deposição tentam agora pegar carona nos protestos que mobilizam dezenas de milhares de pessoas.”

Algumas declarações abaixo mostram como uma situação foi outrora identificada, mas a postura corretiva foi jogada às traças por frouxura política, omissão, conveniência ou conivência: “O partido confundiu-se com o governo, tornou-se aparelho do Estado e acreditou que os fins justificavam os meios. Agora, só há salvação se os responsáveis por tudo isso forem punidos.” (Deputado federal José Eduardo Cardozo PT-SP); “O PT foi atingido de forma irremediável. Do ponto de vista do patrimônio da lisura e da ética, acabou jogado na vala comum. E essa situação é irrecuperável.” (Deputado federal Antônio Carlos Biscaia PT-RJ); “O PT errou: afastou a militância, pôs burocratas no governo e se entregou às vontades de Lula. E que vontades eram essas? Apenas a do poder pelo poder. Agora acabou. O castelo de areia ruiu.” (Economista e ex-militante petista Paulo de Tarso Venceslau, expulso do PT em 1997); “O PT cometeu o pecado original. Comemos a maçã proibida, o fruto da ambição. Foram muitas mentiras. E o pior é que o PT só está querendo achar culpados individuais. Não quer assumir o grande equívoco que cometeu com a nação.” (Deputado federal Paulo Delgado PT-MG).

Muito apreciaria ver os leitores da Besta Fubana, esse site pra lá de muito arretado, lendo Maria Antonieta: retrato de uma mulher comum, de Stefan Zweig, Zahar, 2013. Eis alguns dados: “Ao chegar a Versalhes, enquanto delfina, Maria Antonieta substitui grande parte de suas damas de companhia por jovens que primam pela elegância. Ela se deslumbra com corridas de cavalo, festas, vai a óperas, teatros, integra os bailes da corte. Muitas vezes o delfim a deixava sozinha com as amigas, não se importando muito com isso. … O rei, incapaz de atingir as mudanças planejadas, reúne, em 1788, os Estados Gerais, composto pelo clero, pela nobreza e pelo Terceiro Estado, integrado pela emergente classe média, trabalhadores das cidades e do campo. Enquanto isso, Maria Antonieta assume hábitos mais modestos, o que reflete inclusive em seu figurino, e passa a frequentar assiduamente o Petit Trianon. É possível que neste refúgio ela tenha conhecido seu amante, o conde Fersen. … Esta era tranquila não dura muito, pois logo eclodem alguns casos controvertidos relativos à vida palaciana, transformando-se em manchetes nos jornais, sempre com cunho político, e neste mesmo período a França sofre com um inverno severo que destrói a safra agrícola e mergulha o povo francês na fome, na miséria e no frio. Tem início a decadência do reinado de Maria Antonieta e do Rei Luís XVI. Desencadeia-se uma campanha difamatória contra a Rainha, que se torna culpada por toda a situação financeira do reino.”

Para os babaovistas planaltinos e os cínicos congressistas, com as poucas exceções honrosas que ainda sustentam a dignidade comportamental daquela “corte de tolerância e de escabrosos arrumadinhos por debaixo dos panos”, reproduzo o que deixou escrito Stefan Zweig na última página da biografia de Maria Antonieta, relembrando a figura da atual presidenta Dilma, gerentona incapaz para tempos intranquilos: “Por sermos mais livres em nossa concepção a respeito dos direitos humanos e morais de uma mulher, mesmo que ela seja, por acaso, também uma rainha, nosso caminho em direção à sinceridade é mais próximo, e menor nosso temor diante da verdade psicológica; não acreditamos mais, como as gerações anteriores, que para conquistar o interesse por alguma figura histórica seria necessário à tout prix idealizar, adocicar ou heroicizar seu caráter, ocultar traços de caráter essenciais e enfatizar outros de maneira trágica”.

Separe efetivamente o joio do trigo, presidenta Dilma, e entre para a História sem precisar sair da Vida.

(Publicada em 24.06.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves