PROSPERIDADE MAL DISTRIBUÍDA


Vale a pena transcrever Fernando de Barros e Silva, jornalista da Folha de São Paulo, em 21 de julho passado: “O economista Marcelo Neri, da FGV, diz que, entre 2003 e 2008, a pobreza caiu 43% e 32 milhões de pessoas alcançaram as classes ABC. Apesar disso, estamos muito longe de ser um país no qual ‘a maioria das pessoas leva uma vida material decente e similar’. Não sabemos ainda o que é nossa ‘nova classe média’. E, salvo engano, subestimamos os efeitos do estrago social acumulado por décadas, tão visível na educação, na imensa periferia de São Paulo, nos morros cariocas, etc, etc”. E ele ainda menciona um outro dado: “A partir dos anos 1980, de Ronald Reagan e da guinada à direita da política americana, os EUA conhecem um período de ‘aumento abrupto da desigualdade’, que Krugman atribui menos aos efeitos da globalização e do avanço tecnológico e mais à ‘erosão das normas e instituições sociais que costumavam fomentar a igualdade’”.

O Krugman citado pelo jornalista da Folha é Paul Krugman, autor de A Consciência de um Liberal, editado dias atrás, no Brasil, pela Record. Onde ele declara que “as reformas políticas e econômicas transformaram os Estados Unidos oligárquicos da Idade Áurea em um lugar com muita desigualdade, intolerância e corrupção, na sociedade ainda imperfeita, mas bem melhor, do período pós-guerra. O desafio agora é o de fazer mais uma vez o que o New Deal fez: criar instituições que apoiem e sustentem uma sociedade mais justa”.

O teólogo Leonardo Boff ratifica a atual situação autofágica: as três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores á soma das riquezas dos 48 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas, o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil, 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoismo?

Quando mundialmente se busca implementar uma ética cidadã libertadora, lamentável é a verificação, dias atrás, de um marginal que pretende se candidatar a deputado federal por São Paulo. Réu em dois processos por estelionato e outro por falsidade ideológica. Encontra-se preso desde janeiro no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros. E como não foi ainda julgado, ainda não caiu na Lei da Ficha Limpa. Com a maior cara de pau, Selmo Santos declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio inexistente de mais de noventa milhões de reais, tornando-se o sexto candidato mais rico entre os quase seis mil candidatos de SP à Câmara. Da fortuna declarada, mais de oitenta milhões é “originada” de uma universidade que não existe, sem qualquer legitimidade concedida pelo MEC, com endereço declarado de uma casa de família das mais simples.

Ao tentar interconectar os parágrafos acima, razão deve ser dada ao economista-chefe do Itaú-Unibanco, Ilan Goldfajn, PhD em Economia pelo MIT, para quem “a maior ameaça à economia brasileira é achar que o crescimento nos livra da necessidade de avançar nas reformas fiscal, previdenciária e trabalhista”. Segundo ele, “a bolha que nos ameaça é a bolha da presunção, achar que já conquistamos o mundo, que não precisamos de reforma, que seremos a bola da vez”.

Ainda somos uma das piores distribuições de renda do mundo. E sempre gostamos de fazer os remendos na última hora, sem uma preocupação fecundante nos diversos segmentos do sistema educacional brasileiro, hoje ainda dotado de minguadas iniciativas sementeiras, como os cursos superiores de tecnologia distribuídos pelos estados brasileiros, muito embora mais de 80% das vagas ainda se encontrem na rede particular de ensino. Em 2002, existiam 421 cursos tecnológicos na rede particular e 215 na rede pública, numa relação de 1,96 para 1,00. Em 2008, a relação subiu astronomicamente de 6,48 para 1,00. Em outras palavras: no período 2002-2008, enquanto os cursos tecnológicos públicos cresceram 170%, o incremento da rede particular foi de quase 800%, precisamente 796%

Merece aplausos o projeto de expansão dos institutos federais determinado pelo presidente Lula, cuja meta é oferecer ensino superior gratuito nas cidades do interior. Cursos que atendam as necessidades regionais de profissionais qualificados. Com as autoridades abandonando a famigerada bolha da presunção. Como se tudo apenas acontecesse no fio-o-fó dos outros países.

PS. Para gáudio dos políticos parasitas: nas próximas eleições brasileiras, de cada cinco pessoas aptas a votar, uma é analfabeta ou nunca frequentou uma escola.

(Publicada em 02.09.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves