POR QUE LER MARX HOJE?


Parodiando o filósofo italiano Benedetto Croce, nesta segunda década do século poder-se-ia perguntar sobre o que está vivo e o que está morto no pensamento de Karl Marx, quando os regimes marxistas falharam estrepitosamente e a Queda do Muto de Berlim pareceu simbolizar um defenestramento definitivo da política e da economia marxistas.

Os cursos ministrados pelo professor Jonathan Wolff, do Departamento de Filosofia do University College de Londres, tornam-se cada vez mais frequentados por estudantes norte-americanos, que nele se inscrevem porque desejam compreender as ferramentas marxistas para melhor enfrentarem criticamente a sociedade capitalista dos tempos de agora, quando uma globalização inspirada num pensamento único se espraia pelos quatro cantos da terra, pondo preço em todas as coisas, abjurando todas as formas não-econômicas de valor. Eles buscam ampliar suas criticidades analíticas através dos filões encontrados nos escritos marxistas, como no discurso pronunciado pelo próprio Marx, em 1856: “Nos nossos dias tudo parece prenhe do seu contrário. A maquinaria, dotada com o poder maravilhoso de diminuir e frutificar o trabalho humano, mata-o à fome e fá-lo trabalhar em excesso. As novas fontes de riqueza, por algum estranho sortilégio, transformam-se em fontes de escassez. As vitórias da arte parecem compradas pela perda de caráter. Ao mesmo tempo que a humanidade domina a Natureza, o homem parece tornar-se escravo de outros homens ou da sua própria infâmia. Até a luz pura da ciência parece incapaz de brilhar exceto contra o fundo escuro da ignorância.”

Ler Marx, no entanto, é tarefa que exige especiais cuidados e muita acuidade, a leitura dos seus textos podendo ser desanimadora, ensejando interpretações capciosas e sectárias, messiânicas inclusive. E o alerta foi dado pelo próprio professor Jonathan Wolff, no seu livro denominado Porquê Ler Marx Hoje?, editado pela Cotovia, Lisboa, com a devida autorização da Oxford University Press. Nele está explicitado trecho escrito por Marx aos 17 anos, intitulado As reflexões de um jovem sobre a escolha de uma carreira, com o seguinte parágrafo final: “Se tivermos escolhido aquela posição na vida em que podemos acima de tudo trabalhar para a humanidade, nenhum fardo nos pode vergar, porque são sacrifícios para benefício de todos; não sentiremos então nenhuma alegria mesquinha, limitada e egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões, as nossas ações permanecerão silenciosa mas continuamente a trabalhar e sobre as nossas cinzas derramar-se-ão as lágrimas quentes de pessoas nobres.”

O pronunciamento de Friedrich Engels, à beira do túmulo de Marx, por ocasião do seu sepultamento, dá bem uma ideia da escolha de Karl Marx, em 2005, pela BBC de Londres, como o maior filósofo de todos os tempos: “Marx era, antes de tudo, um revolucionário. Sua verdadeira missão na vida era contribuir, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais por esta suscitadas, contribuir para a libertação do proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era seu elemento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos puderam rivalizar. (…) Como consequência, Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutistas como republicanos, deportaram-no de seus territórios. Burgueses, quer conservadores ou ultrademocráticos, porfiavam entre si ao lançar difamações contra ele. Tudo isso ele punha de lado, como se fossem teias de aranha, não tomando conhecimento, só respondendo quando necessidade extrema o compelia a tal. E morreu amado, reverenciado e pranteado por milhões de colegas trabalhadores revolucionários – das minas da Sibéria até a Califórnia, de todas as partes da Europa e da América – e atrevo-me a dizer que, embora possa ter tido muitos adversários, não teve nenhum inimigo pessoal.”

Para quem deseja ler mais sobre os textos de Karl Marx, o site www.marxists.org (em vários idiomas, inclusive português) guarda um espantoso arquivo. Para mais adequadamente se compreender as crises capitalistas, seus sintomas e seus desenvolvimentos, tal e qual aconteceu com a quebra do sistema financeiro em 2008, considerada simples ponta de um descomunal iceberg por Istvan Mészáros, num dos seus últimos trabalhos, A Crise Estrutural do Capital, Boitempo, 2011.
(Publicada em 11/07/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves