PONDERAÇÕES PÓS SEMANA SANTA


Para quem se encontra antenado com a atual crise brasileira, facilmente nota como uma cultura de desestabilidade econômica chama o país à razão, dissolvendo velhas e carcomidas crenças supersticiosas, bem como esmaecendo a vocação de se acreditar nos ilusionismos mágicos de messiânicos salvadores da pátria. E se observarmos ainda as coisas sob os vértices dos nossos diferenciais de renda – o Brasil possui uma das piores distribuições de renda do mundo – constataremos um cenário social desestruturador deveras preocupante, fruto de uma incompetente gestora governamental.

Na ponta de um cenário de crise, redes nacionais de televisão esmagam a incipiente criticidade nacional, anestesiando os mais descuidados, abilolando ainda mais uma classe mé(r)dia hedonista e consumista, para não se falar, aqui, nos livrecos de auto-ajuda e programas midiáticos metidos a religiosos, com receitas mágicas para o sucesso financeiros … dos apresentadores.

Na outra ponta do palco, pululam os comportamentos epiléptico-carismáticos, os que buscam os caminhos de compostela sem qualquer compostura, não se excluindo, aqui, os que vendem milagres da gota serena, fiapos do pente que desassanhou Jesus quando da Sua primeira ida ao tabernáculo, restos ensacados e congelados em pedacinhos da última ceia e as intoxicantes correntes internéticas, que ameaçam com muito fogo quem não remeter, até o dia seguinte, pelo menos vinte cópias para amigos, parentes e aproximados.

Envolvidos com as duas faces de uma mesma moeda – a da alienação social – identificamos com relativa facilidade os Ali Babás que garimpam fortunas sob as mais criminosas formas: disque-isso, disque-aquilo, tarôs, telequadras e telequinas, raspadinhas, além da doação de uns tantos reais para que o divino possa dar uma “mãozinha” aliviadora nos abiscoitados solicitantes. Para não falar nos mensaleiros, petroleiros e muitos outros patifes. Além disso, saltita a competitividade dos sabidórios gerando diatribes esculhambatórias, delações comprometedoras e até assaltos e sequestros e carros sacudidos em cima de postes, valendo até fotos em primeiras páginas de jornais, pegadinhas mentirosas e artimanhas várias de deixar o Corcunda de Notre Dame com corpinho de paquita.

A era pós-industrial libertou energias escondidas, aumentando lazeres e liberdades, enormes abismos se abrindo entre os que possuem quase tudo e os que não possuem quase nada, nem sequer esperanças. Muitas ações levianas e devassas são cometidas pelos que se dizem cristãos, cada um desejando puxar os óbulos para suas sacolinhas em paraísos fiscais, como se Deus estivesse morto, mortinho da silva. A evolução tecnológica, fantástica sem ser humana, ampliou desesperos, gerando indiferenças, quase já eliminando do cotidiano universal o vocábulo solidariedade.

Deixamos de lado os valores da espiritualidade militante para disputar míseros nacos, olvidando a advertência do querido Dom Hélder Câmara, saudoso e sempre amado arcebispo emérito de Olinda e Recife: “O Cristianismo que difundimos no Continente, atribuindo tudo a Deus e quase não apelando para a iniciativa e a responsabilidade do homem chamado, pelo Criador, a dominar a natureza, a completar a Criação, a conduzir a História, alimentou nas Massas latino-americanas um sentimento passivo, fatalista e mágico”.

Está na hora de as Igrejas Cristãs, sem firulas nem fricotes, perseguirem uma autoavaliação corajosa, descobrindo seus próprios pontos fracos, suas comunicações deficientes, oferecendo um serviço religioso que contemple as aspirações espirituais da nossa gente menos favorecida, num servir capaz de exprimir louvores, contemplações e adorações autenticadas pela palavra do Senhor da História, convencendo todos sem enganações nem baboseiras. Sem histerismos e bracinhos levantados, sovacos à mostra.

Acredito firmemente na orientação dada por Lucas 14,28: “Quem dentre vós, quando quer construir uma torre, não começa por se assentar para calcular a despesa e avaliar se tens com que ir até o fim?”. O que talvez o apóstolo não avaliou na devida conta, os tempos eram bem outros, foi o agigantamento da cobiça na construção de gigantescas arenas religiosas, hoje com sites enganadores, multiplicadores de muitos milhões de dólares, advindos de idiotizados e desesperançados, que imaginam soluções mirabolantes para velhos e cruciantes problemas, solucionáveis todos, se assimilássemos melhor e mais efetivamente a Mensagem do Homão da Galileia.

Juntemos sadias mentes cristãs, antes que seja tarde demais. Para conquistar os jovens, receber os descaminhados, compreendendo que o amanhã já chegado será muitíssimo diferenciado de um hoje que já se está indo embora em desabalada carreira. Uma sadia advertência é de Yves Congar, um dos teólogos que mais contribuíram para restabelecer o diálogo entre as Igrejas e o mundo contemporâneo: “Diz-se que a Igreja não interessa mais a ninguém, que a maioria dos homens deixou de esperar dela algo que tenha o peso do real. Isso não é exato. Uma decepção dá a medida de uma esperança, um despeito a medida de um amor. Se não se esperasse mais nada da Igreja, não se falaria tanto dela…”

Uma crise torna-se saudável quando não se contenta em ser apenas uma crítica aos outros, mas quando se torna, muito oportunamente, um julgamento de si mesmo. E isso somente advirá com mais capacitação, terra e saúde, melhor distribuição de renda e mais participação, no Brasil, dos severinos de maria.

Feliz Páscoa, gente amada!!

(Publicado em 06.04.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves