PITACOS À BEIRA-MAR


Num domingo, sol a pino nas areias de praia repleta de muita carne, alguns sessentões curtiam “estórias”, tudo regado por guaranás geladíssimos, desses que fazem correr a espuma goela abaixo. E como cada doido tem sua mania, como dizia minha avó Zefinha, os assuntos do cotidiano brasileiro e estrangeiro serviam de motes para baitas pitacos e discussões, tudo recheado de muita binoculidade cidadã e preocupações cívicas.

Lá pelas tantas, o João Silvino desabafou: “Acho uma graça danada na hipocrisia dos moradores de bairros metidos a ricos das capitais brasileiras. Tentam afastar as prostitutas do seu meio, mesmo sabendo que elas são produtos de parte de uma elite que há muito tempo se ‘quengou’, sem eira nem beira de uma mínima solidariedade social, autofágica por excelência”. Um baiano, de olho sempre gordo numa coroa de suntuosa marquise, revelou um norteamento hoje considerado bussoleiro nos canteiros profissionais: “As amarras e os nós dos ontens e dos hojes que cotidianamente nos impossibilitam de usufruir níveis existenciais mais prazerosos, somente serão reduzidos a mínimos desprezíveis quando holisticamente soubermos administrar os nossos quocientes: o da Inteligência, o da Cognitividade, o da Adversidade, o da Resiliência, o Político, o da Visibilidade e o Emocional, irmãos interdependentes diante da complexidade do cotidiano”.

O Sardin concordou plenamente com o soteropolitano: “Para os do hoje e os do amanhã, toda cautela é pouca. Que não se imaginem prontos, pois múltiplos serão os obstáculos ainda não gerados, estatuídos pelos seus próprios derredores, aliados uns, aparentados outros, de alguns até o diabo se distanciando. Que ninguém condicione sabedoria a pós-graduações, hoje bombando em caçadores de trocados. Que prossigam sem bobeamentos, gerando frutos sem fingimentos, a promover, sem faniquitissmos, uma não-violência ativa”.

O Edinho, um bigode admirado pelos colegas de Desenvolvimento Urbano, irmão do Chico, um arquiteto que era dotado de inteligência desgarrada quilômetros da média planetária, pediu licença para ler o que tinha escrito no dia anterior: “Que os do hoje e os do amanhã redobrem seus cuidados diante do ganho fácil e lucros rapidamente alcançados. As idas demasiadamente rápidas ao pote, incentivando pretensões descabidas, findam sempre em finais lamentáveis. Quem sabe plantar e bem colher ultrapassa-se, aceitando-se como um aprendiz de tudo. Percebendo que o convívio com o conhecimento deve ser paciente, jamais tolamente ufanado, nunca se alegrando com as injustiças sociais. E findou citando Paul Stoltz, que enumerou os erros fundamentais de uma carreira profissional: 1. Comprometer seus critérios antes de começar; 2. Confundir atitude com altitude; 3. Ir pela estrada menos movimentada; 4. Abreviar a escalada; e 5. Pôr o pedigree à frente do desempenho.

Um texto-parâmetro foi redigido pelo Arãozinho, que enfeixou a “solenidade”, rateada a conta, uma declaração assinada por todos:

“Não tropeçar no binômio pensar-agir é tal e qual o desempenho daquelas naus levadas a portos seguros sob comando de bons timoneiros. Navegante que se preza se acautela diante dos que apenas elogiam, também se esquivando dos imediatistas que se gabam das vitórias de Pirro que a nada conduzem. Sempre a diferenciar o doce do amargo e se distanciando dos ressentidos e impotentes, frustrados todos porque vitimas dos efeitos mutilantes da culpa, segundo Freud.

Quem sabe acumular conhecimento está ciente que ele jamais se tornará findo, o mundo sendo propriedade de todos, dos mais debilitados inclusive. Que exigem ser amparados na sua dignificação terrestre, para que as regiões tornem-se pacíficas, sob ares mais distributivistas, cidadanizadas sem esmorecimentos nem nostalgias, iluminando escuros, fortalecendo uma crescente solidariedade universal, no silêncio redentor de cada amanhecer da Criação”.

(Jornal do Commercio, Recife, PE, 19.05.2010)
Fernando Antônio Gonçalves