PINGOS DESABAFANTES
Como sou leitor de tudo que tem capa, contracapa, capítulos, parágrafos, frases, letras e inteligência expositiva, risco e rabisco, durante a semana, as partes que merecem um retorno reflexivo no final dela. Coisas que despertam atenção, gaiatices criativas, charges bem boladas e assuntos que ouriçam minha pacificidade de cristão transecumênico, nem sempre pronto para dar a cara para uma nova tapa.
Nas últimas semanas, alguns assuntos me arrepiaram todo, o primeiro deles sendo a inauguração do Templo de Salomão, com a presença da plurirreligiosa universalista presidenta Dilma. Segundo a imprensa paulista, o suntuoso templo, que terá como líder o “rabino” Edir Macedo, agora de barba, manto e quipá, está edificado num terreno de 28 mil m², numa área construída de 74 mil m², tendo sido utilizados na construção 145 mil sacos de cimento, duas mil toneladas de aço, 40 mil m² de rochas importadas de Israel, em tudo sendo gasta a bagatela de apenas 680 milhões de reais.
Ao redor do templo, complementando-o, um edifício-garagem, uma praça com 12 oliveiras importadas do Uruguai, um memorial de 630 mil m², com a história dos dois templos originais de Salomão e a trajetória da Universal. No derredor, um edifício residencial, um menorá gigantesco, um dos principais símbolos do judaísmo, além de uma imitação do Domo da Rocha, de Jerusalém, um dos edifícios mais sagrados do Islã. E um estacionamento subterrâneo para até 2.000 carros.
A nave do templo possui 18 metros de pé direito e capacidade para 10 mil pessoas sentadas, o templo ainda comportando 11 pavimentos internos, com salas de reunião, evangelização, estúdios de TV e áreas para outras atividades. Segundo o sociólogo Ricardo Bitun, “o templo é marco da atual tendência judaizante, onde a valorização de símbolos como o menorá, a arca da aliança e a barba comprida do sacerdote são outras manifestações disso”.
A inspiração da equipe do pastor-rabino Edir Macedo baseou-se no templo feito pelo rei Salomão, que foi destruído em 586 a.C., reerguido por Herodes e chamado por Jesus de “covil de salteadores”, segundo a Bíblia, também sendo destruído em 70 d.C. E não haverá a inscrição da Universal na fachada, com a finalidade de atrair fiéis de outras igrejas. Para ampliar dízimos.
Um outro assunto que me deixou com uma raiva de cachorro doido foi o fato narrado pelo jornalista Ricardo Melo, da FSP. Segundo ele, do seu apartamento, perto de um shopping em Higienópolis, SP, muitas famílias estão dormindo “protegidas” por caixa de papelão e páginas de jornais, em pleno rigoroso inverno paulistano. E que ele leu, na manhã seguinte, que um badalado decorador tinha demitido sua empregada por ela ter colocado uma manta de cashmere na máquina de lavar, manta que era de uma cadela sua chamada China. Um ato de imbecilidade congênita típico daqueles integrantes do Baile Fiscal, que aconteceu no dia 9 de novembro de 1880, um sábado, realizado no centro do Rio de Janeiro, então capital do Império, seis dias antes da Proclamação da República. Onde o dinheiro gasto, 250 contos de réis, foi subtraído do ministério da Viação e Obras Públicas, quase 10% do orçamento previsto da Província do Rio de Janeiro para o ano seguinte. Na época ainda não existiam as desmoralizantes emendas parlamentares para exibições de grupos de xumbregações descaradas pelos currais eleitorais estaduais do país.
O terceiro texto rabiscado é uma crônica do filósofo Luiz Felipe Pondé, “Frouxinhos Contemporâneos”, onde ele faz algumas denúncias convincentes: “Nunca houve uma época tão medrosa como a nossa, com um dom grande para negar esse medo e negar a complexidade e frustração a que estamos todos submetidos”; “Produzimos uma gama de ‘direitos’, que mais parecem uma metafísica podre dos costumes para retardados”; “Imagino que se a revolução francesa fosse hoje, fotos nas redes sociais pedindo paz nas ruas de Paris encheriam os iPhones dos bonzinhos”; “o inteligentinho todo mundo conhece: é o tipo de pessoa que acha que problemas como o do Oriente Médio se resolveriam com um ciclo de cinema e debate sobre filmes que narram a vida de mulheres fazendo bolos e crianças jogando futebol”; “Vivemos numa época de mulheres que crescem profissionalmente, amadurecem publicamente e financeiramente e que, portanto, ainda metem mais medo do que sempre meteram nos homens”.
Lamento profundamente o precário nível esportivo de Pernambuco, em todas as modalidades e nas áreas radiofônicas e televisivas. Outro dia, um locutor esportivo, entrevistando um jogador de futebol, cometeu em pouco mais de um minuto, seis erros de concordância, com perguntas mediocrizantes e respostas que nada concluíam. E fiquei a recordar os fabulosos locutores e comentaristas das rádios pernambucanas de décadas passadas, aqui citando, como exemplo notável, o extraordinário comentarista Luiz Cavalcanti, uma palavra realmente abalizada. Enquanto isso, Felipão e Parreira receberam cada um, da CBF, pela justa demissão, 4,1 milhões de reais. Sem qualquer punição pelos inesquecíveis 7 X 1.
Por último, uma entrevista que merece ser amplamente difundida nas escolas e lares do mundo inteiro: a denúncia do professor e psicólogo Peter Salovey, presidente da Universidade de Yale, Estados Unidos, a terceira melhor universidade americana. Nela, ele não titubeia: “O uso excessivo de tecnologia faz jovem perder habilidade de interagir”. E alerta: “As universidades chinesas serão concorrentes em breve das americanas. Os chineses estão investindo pesado para criar uma rede de grandes universidades”. No seu primeiro ano no cargo da Yale, foram anunciadas doações de US$ 500 milhões à universidade, por ex-alunos. Ele dá a dica: “A receita é nunca perder o contato com os ex-alunos, mantê-los por perto sempre”. E dá um exemplo que muito poderia ser aplicado experimentalmente em terras brasileiras: “Em nosso laboratório de redes sociais, temos matemáticos, estudantes de engenharia elétrica e de medicina , juntos com sociólogos. Há muitos muros sendo derrubados”.
Fica a pergunta: quando se desconstruirão as Universidades Brasileiras, para a reconstrução de IESs que reneguem o exibicionismo cafona e as mesmices acadêmicas, com orçamentos pífios e “executivostas”, neologismo dos futuros dicionários?
(Publicada em 04.08.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves