PIMENTAS DO RUBEM


Quando necessito restaurar minhas energias, exausto das baboseiras que circulam nestes tempos pré-eleitorais, onde todos são bonzinhos, o mundo é lindo e tudo sairá bem no final da Avenida Brasil, depois de múltiplas fornicações, fingimentos de penca e chifres pra tudo quanto é lado, além da Suelen toda boazuda e sempre safadérrima, amarro-me numa leitura não-técnica e não-abestada, inteligentemente cutucadora, escrita por gente que sabe o que pensa e pensa sem se incomodar com os ibopes dos jumentálicos, adjetivo tão ao gosto da Lúcia Pontual, ex-companheira de trabalho da sempre saudosa Fundação Joaquim Nabuco.

Meu último resfôlego mental foi o livro Pimentas: para provocar um incêndio, não é preciso fogo, do Rubem Alves, esse arretado de ótimo quase oitentão, teólogo desfrescurizado, pedagogo libertador, poeta, cronista, excelente contador de estórias, psicanalista sempre antenado, cristão da gota serena, ensaísta de mil e uma facetas líricas. Editado pela Planeta, o texto busca comprovar que algumas ideias queimam como brasas vivas, tornando-se asas, buscando, como libélulas, mares nunca dantes navegados.

Nunca entendendo por que as bruxas usam vassouras entre as pernas como meio de transporte, preferindo vê-las cavalgando um macio dragão soltando fogo pelas ventas e se orientando pelo oscilar da cauda gigantesca, desbravando continentes e terras maravilhosas, o Rubem certa feita se deparou com flores brancas vulgarmente chamadas trombetas, possuidora de poderes estupefacientes, letais em incontáveis casos. E foi informado por um químico especializado em alucinógenos sobre a existência de uma íntima relação entre tais flores, denominadas também de daturas, e a lenda das bruxas, inventada desde a Inquisição, quando religiosos ordenados e antifeministas, travestidos de moralistas e puritanos, enviavam para a fogueira aquelas pessoas julgadas diferentes pelos metidos a Deus da época. Algumas das quais acusadas de terem relações sexuais com o Maligno, simplesmente porque eram usuárias de poções alucinógenas de plantas psicoativas, aplicadas na busca de sabedoria e experiência.

Para evitar alucinações, delírios fatais e amnésias profundas, naquela época inventaram uma versão mais ligth: faziam a poção mágica com uma vassoura de pelos macios, que posteriormente eram usadas para umedecer as mucosas situadas entre as pernas. Daí, o resultado ansiosamente aguardado: os usuários, com suas deliciosas alucinações, viajavam adoidamente, sempre esfregados em suas vassourinhas.

O Rubem Alves ressalta que bruxa velha, de nariz atucanado comprido, cabelhos piolhentos e chapéus pretos pontudos era invenção de padre que não apreciava os prazeres da carne, por ojeriza, tamanho ínfimo do enfiox ou cultura preconceituosa.

O livro ensina a ver fatos e feitos da Vida por ângulos nunca dantes observados. E mostra como o traseiro, vez por outra motivo de múltiplos risos, é visto poeticamente pelos olhos de Carlos Drummond de Andrade: “A bunda, que engraçada, está sempre sorrindo. Não lhe importa o que vai pela frente do corpo. A bunda basta-se. A bunda se diverte por conta própria. Lá vai sorrindo a bunda…”

Certa feita, um engonçado, mais vaidade que caráter, me chamou a atenção porque eu usara o termo “bunda” numa crônica semanal. E eu lhe respondi generosamente com compaixão, na certeza plena de que ele era um bunda integral, como recomenda os ensinamentos do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 10.08.2012
Fernando Antônio Gonçalves