PESQUISA INDUTORA


O professor Adalberto Rego Maciel Filho, da FCAP-UPE, me envia um estudo de caso por ele coordenado sobre bibliotecas domiciliares, animado por uma afirmação feita por Cláudio de Moura Castro, emérito docente especializado em Economia da Educação, que afirma constantemente ser a qualidade de um ambiente familiar identificável pela quantidade de livros existentes em suas estantes.

O assunto escolhido é deveras oportuno na atual conjuntura encruzilhadal pernambucana, quando uma gestão governamental dinâmica busca afastar-se convincentemente dos “pibinhos” nacionais, impulsionando a região para patamares mais representativos no cenário pátrio: bibliotecas domiciliares e os hábitos de leituras dos pais de um grupo de professores da Universidade de Pernambuco, 61 da FCAP e 48 da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, utilizando-se para tanto de um questionário de 12 perguntas, parte identificatória dos professores entrevistados, parte relacionada com influências obtidas na juventude correlacionada com número de livros existente na casa dos pais, escolaridade e hábitos de leituras deles, predileções culturais, ocupação profissional dos pais e renda familiar.

Os resultados obtidos são por demais indutores de iniciativas públicas que favoreçam a mutiplicação de bibliotecas nas instituições de ensino dos três níveis de ensino. A amostra estava composta por 24 especialistas, 60 mestres e 25 doutores, sendo de 22,6 anos a média de anos de estudos formais. Com os pais possuindo 11,1 anos de estudo e as mães 11,0 anos, 28,7% dos primeiros e 22,9% das segundas não tendo concluído o ginásio, conservando a maioria hábito de leitura regular ou constante. Conclusão aferida com entusiasmo pelos pesquisadores: 96,3% dos professores cresceram em lares onde pelo menos um dos genitores tinha hábito de leitura. Com um quantitativo complementar de correlação muito positiva: quando eles se encontravam no ensino fundamental, a média de suas bibliotecas residenciais era de 160 livros, subindo para 170 livros quando da efetivação do ginásio, alcançando 210 livros durante o ensino médio (antigo científico/clássico).

Os dados sobre quantidades de livros merecem aqui ser reproduzidos, para gáudio dos entusiastas da FCAP: “Numa amostra de 72 países, o maior percentual de lares com menos livros é o Brasil, com 39,52% tendo menos de 10 livros. No estudo com professores da FCAP, esse valor é de 21,90%, próximo ao do Chile com 20,37% e ao dos Estados Unidos com 19,55%”. As pesquisas recentes, feitas por organismos internacionais especializados, apontam que “uma das variáveis importantes que contribuem para explicar o aumento da escolaridade e desempenho escolar é a quantidade de livros existentes nas residências dos alunos, ou seja, a biblioteca familiar”.

Pedindo vênia para explicitar minha afoiteza nordestina, três sugestões poderiam alavancar a efetividade do PNE ora em tramitação tartarugal no Congresso Nacional. A primeira, a criação do Banco Nacional da Educação, destinado exclusivamente ao controle e distribuição dos recursos aplicados a Estados e Municípios na área educacional, assegurando efetiva supervisão dos investimentos realizados nas municipalidades. A segunda, mais especificamente voltada para os livros, a edificação de Bibliotecas-Faróis nos principais centros urbanos brasileiros, embasada numa dinâmica relacionada com Ciências Humanas e Sociais, Tecnologia e Meio Ambiente, além da área de Cultura Geral. A terceira adviria de rigorosas punições, embasadas em legislação específica e em sintonia com o Ministério Público, para aquelas unidades escolares públicas que amontoam milhares de livros do MEC em caixas rigorosamente ainda lacradas, desrespeitando elementar direito discente, o de saber mais para ser e ter mais.

É de se lamentar a estarrecedora insensibilidade dos gestores públicos brasileiros para com uma das áreas mais significativas em qualquer estratégia educacional: bibliotecas. Sendo exemplar a história verdadeira contada pelo escritor Ronaldo Correia de Brito, autor da consagrada peça Baile do Menino Deus, no seu livro Crônicas para Ler na Escola. Reproduzo-a sem nada excluir: “Um dia, convidaram-me no Recife para conversar com uma turma de colégio de classe média. A escola decidira fazer um espetáculo de Natal e os meninos, em torno de vinte, escreveriam o texto. Queriam minha ajuda. Um empurrãozinho. Aceitei e fui ao encontro. Eram crianças inteligentes, com certa automação dos jogos de computador e video games. Propus um começo. Anotaríamos a lista dos personagens do Natal, os mais importantes. Gritaram todos ao mesmo tempo. Pedi ordem. Surgiram os nomes, as figuras famosas das decorações natalinas dos shoppings: Papai Noel, o trenó, as renas, a árvore de Natal, a neve. Estranhei as respostas. Insisti. Lembraram os gnomos, os duendes, a oficina de brinquedos do Gepetto e os anõezinhos de Branca de Neve. Assustei-me. Não acreditava no que ouvia. Não é possível! Quem são os verdadeiros personagens da festa de Natal? Aqueles, sem os quais nada teria acontecido. Todos concentrados. Espera aí … Espera aí … E nada. Não vinha um nome. Apelei. Lembrassem pelo menos do principal, o mais importante, o que deu origem à noite de Natal. Por fim, um geniozinho gritou: – Já sei! Já sei! Que alívio!! E com ar vitorioso anunciou: – O peru da Sadia!”

A alienação cultural contada pelo Ronaldo Correia de Brito não é fato isolado, tampouco exceção. Trata-se de uma pandemia, reflexo de uma gigantesca irresponsabilidade política dos poderes públicos brasileiros, onde a ausência de bibliotecas lembram táticas reacionárias para a perpetuação de inúmeros sem possibilidade de discernir entre promessa e pilantragem, política e politicagem, bons propósitos e vigarices travestidas de cínicos bons-mocismos eleitoreiros. O filósofo Allan Bloom parece “estar enxergando” o nível do nosso ambiente educacional: “Quem tem um mapa mais rico, se orienta melhor no mundo. Quem tem mapa limitado fica mais frequentemente enrolado”.

Se o caminho se faz andando, vamos saber caminhar, sem os olhares de catarata identificados por Martin Amis, um escritor inglês contemporâneo. Enfrentando burocratismos cavilosos, que fazem lembrar a definição de Honoré de Balzac, autor da Comédia Humana: “Burocracia é um mecanismo gigante operado por pigmeus”.

(Publicada em 15.04.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves