PERSONAGENS INESQUECÍVEIS
Pergunta-me companheiro internauta catarinense como se poderia obter uma relação completa dos personagens bíblicos, com suas respectivas atividades, e quais seriam, na minha opinião, excluindo Jesus, as três figuras que mais me marcaram nas leituras do AT/NT.
Inicialmente, estimado Ralph, permita-me indicar um livro que considero completo sobre as personagens dos dois Testamentos. Intitula-se Todos os Personagens da Bíblia de A a Z, de Richard R. Losch, SP, Didática Paulista, 2011, 640 p. Segundo o prefácio, “o judaísmo e o cristianismo são as duas principais religiões que registram sua história e mostram a todo mundo as fraquezas e imperfeições de seus heróis. Cremos que isso confere grande credibilidade à Bíblia como registro histórico. Se fosse um mito, representaríamos nossos fundadores e heróis como paradigma de perfeição; ou então, na situação oposta, mostraríamos apenas aqueles detalhes imperfeitos que evidenciam a importância de servir a Deus ou de estar aberto ao perdão.”
Quanto à segunda questão formulada, à exceção de Jesus, um personagem para mim acima de tudo e de todos, listo abaixo as três figuras que mais me encantaram nas leituras feitas do AT/NT:
1. Paulo – Tenho plena convicção que, sem a articulação e as cartas do “apóstolo dos gentios”, o cristianismo teria se tornado tão somente mais um segmento do judaísmo. O cristianismo de hoje é produto do desempenho missionário de Paulo embasado nos ensinamentos do Homão da Galileia. Entretanto, quase ele não é citado pelos seus contemporâneos. Nem o próprio Flávio Josefo o menciona nos escritos, muito embora a ação de Paulo tenha substancialmente alterado as pessoas que o leram ou o conheceram. O conhecimento que temos de Paulo são provenientes de três fontes: o livro dos Atos, das cartas escritas por ele e a tradição primitiva, embora seja esta última a menos confiável. As informações biográficas contidas no livro de Atos possibilitam conhecimento sobre o autor das cartas, que não eram comunicações particulares, mas uma visão panorâmicas das suas atividades depois de convertido. Tudo faz crer que Paulo, ex-Saulo, era de uma família rica e profundamente respeitada pelo nível cultural que revelava, sendo ele fluente em grego, hebraico e aramaico, provavelmente também na língua latina. Fariseu e filho de fariseu (At 23,6), teria estudado sob a orientação rabínica do afamado Gamaliel, tendo sido um estudioso consistente da Torá e da fé judaica. E possuía cidadania romana, um privilégio para a aristocracia da época, talvez a tendo obtido através da influência exercida pelo próprio pai. Ou ainda adquirida de algum oficial de alta patente.
Saulo comercializava tendas de couro, geralmente militares. E também tendas luxuosas, feitas de cilício, muito admiradas pelas lideranças nômades. E ele nunca tinha ouvido falar de Jesus antes do crescimento do movimento chamado “O Caminho”, interpretado inicialmente por ele como uma ameaça à estabilidade da fé judaica.
A primeira referência bíblica a Saulo está contida no livro de Atos (At 7.58; 8.1), relacionada ao apedrejamento de Estêvão, o primeiro mártir cristão. Depois de convertido, adotado o nome Paulo, ele efetivou várias viagens missionárias, além da viagem final para Roma, onde viveu em “liberdade provisória sem o pagamento de fiança”, dado não ter sido acusado de crime algum. Não podendo ser crucificado, por ser cidadão romano, foi decapitado.
Sem dúvida alguma, Paulo, o bandeirante dos gentios, foi um ser humano dotado de intelecto prodigioso, percepção mediúnica acurada e de uma invejável autodisciplina. A sua formulação teológica moldou a Igreja Cristã, favorecendo uma caminhada que alterou os rumos da história humana. Sou um paulino por derradeiro.
2. Maria – mãe de Jesus, é figura central nos evangelhos de Mateus e Lucas, como também se tornou de elevada honra no Alcorão, ou Corão, sendo a única mulher citada no livro dos muçulmanos. No Novo Testamento, há dezessete passagens onde encontramos menção a ela, não para falar a respeito dela, mas para afirmar a divindade, a missão messiânica e o cumprimento profético de Jesus. Há um evangelho muito antigo, considerado questionável, o Protoevangelho de Tiago, que fornece inúmeros detalhes sobre ela e a infância de Jesus.
A origem de Maria é humilde e pobre por um simples motivo: ninguém abastado viveria em Nazaré. Ela é mencionada pela vez primeira por ocasião da concepção de Jesus, a tradição revelando como seus pais Joaquim e Ana a conceberam, tendo ela sido criada em Séforis, uma cidade próxima de Nazaré. O verdadeiro nome de Maria seria Miriam ou Mariana, muito utilizado naquela época. Dizem os historiadores bíblicos que Maria teria uma irmã de nome Salomé, casada com um pescador chamado Zebedeu de Carfanaum. Na época de Maria, as mulheres eram consideradas de segunda classe, sendo propriedade de seus pais ou maridos.
Segundo os evangelhos, Maria surge como figura central tanto na morte de Jesus quanto por ocasião do seu nascimento. Não há questionamento quanto o fato de Maria e outras mulheres terem preparado a Última Ceia.
Na crucificação, Maria e outras mulheres estavam presentes, quando os outros discípulos debandaram, excetuando João, o “discípulo que Jesus amava”, que ficou responsável, por delegação do Crucificado, de cuidar da Mãe dele.
Sem dúvida alguma, uma das mais fascinantes personagens tanto da história quanto da religião cristã.
3. Jó – Um dos homens mais justos da Bíblia e um dos personagens mais enigmáticos. Ezequiel, o profeta, coloca Jó na mesma posição de Noé e Daniel, considerando-os os homens mais retos que já existiram (Ez 14,14). Como experiência pessoal, Jó oferece um exemplo notável de resistência às tentações do mundo. Segundo os historiadores, sua história remonta aos tempos de Jacó.
Uma indicação de como o livro de Jó é antigo é o papel de satanás nele desempenhado. Aqui, satã aparece como um ser divino cuja responsabilidade é vagar pelos quatro rincões do mundo e provar a fé do povo de Deus (Jó 1,6 em diante). O nome satanás significa opositor, ainda que na história ele seja adversário de Jó e não de Deus. Uma leitura incrivelmente cabível nos tempos de agora, quando se imagina que “levar vantagem em tudo” deve ser a regra geral, mantra infalível de um sucesso glorioso. Quando o sofrimento necessário é condição imprescindível para se obter a vitória definitiva, mesmo que sob “sangue, suor e muitas lágrimas”, parafraseando Winston Churchill, o inesquecível timoneiro inglês na Segunda Guerra Mundial, cujo filme, atualmente nos cinemas, não se deve perder sob hipótese alguma.
(Publicado em 22.01.2018 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves