PERITOS DO ENGANO


No Portal de Gravatá, dia de Santo Antônio último, voltei a me deparar com um livro que deve ser considerado imensamente explicativo para as bandalheiras praticadas nas últimas décadas no Brasil, inclusive despudoradas “pedaladas fiscais”, cometidas por quem deveria impor respeito e dignidade no cargo exercido, depredando escandalosamente o erário público em muitos bilhões, tudo facilitado pela impunidade que campeia de norte a sul, onde até em convenções partidárias, vigaristas flagrados com a mão na massa são aplaudidos entusiasticamente por centenas de outros comparsas, solidários e ansiosos por pedaços das quantias surrupiadas.

O livro tem como título Os contos e os vigários – uma história da trapaça no Brasil, de José Augusto Dias Júnior, SP, Leya, 2010. Seu ator é mestre em História Social pela USP e PhD em História Cultural pela Universidade de Campinas, atualmente exercendo a docência de História Contemporânea na Faculdade Cásper Líbero, São Paulo.

Numa das orelhas, um fato que parece piada. Em julho de 1969, enquanto a Apollo 11 fazia sua viagem à Lua, um jovem sergipano, se intitulando corretor, vendia nas ruas de Belo Horizonte terrenos na Lua, exibindo mapa da superfície lunar com detalhes de loteamento. Chegou a fechar negócios com dois fazendeiros, antes de ser engaiolado pelo polícia. Para quem desejar comprovar a enganação do sergipano, basta ter acesso à revista Veja, edição de 27 de agosto de 1969, reportagem intitulada “Dos bondes ao espaço”, p. 22.

Levantamentos criteriosos indicam os meses de férias – janeiro, fevereiro e julho – como os de maior incidência da prática de “sabedorias” as mais diferenciadas, de desmoralizarem a do Cavalo de Tróia, que destruiu os abiscoitados daquela cidade. Tudo acontecendo nas áreas de maior densidade turística, para não falar aqui e agora das mentes ingênuas que buscam encontrar pela Internet os(as) parceiros(as) dos seus sonhos.

Outro dia, numa praça situada no centro da capital paulistana, um jovem bem aparentado apregoava as maravilhas de um elixir elaborado sob fórmula chinesa ultrassecreta, referendada pela maioria dos bispos europeus, posto que policopiada desde os primórdios do cristianismo, as primeiras versões advindas de uma das viagens de Paulo de Tarso, o apóstolo dos gentios. O bendito elixir era demais: curava hemorróidas e escoriações penianas, estimulava ereções de deixar Príapo se babando de inveja, além de mandar para os quintos dos infernos tudo que era mau-olhado, olhar depreciativo, olho grande, mugangas e outros balacobacos, favorecendo mufunfas de montão, além de enrijecer seios desmotivados e bundas sem mais estéticos compromissos.

Logo depois do carnaval, fui procurado por uma parente distanciada, terceiro/quarto grau, testemunha ocular, no Rio de Janeiro, do buruçu que deu o tiro que matou Getúlio Vargas. Apaixonadíssima interneticamente por um octogenário da Austrália, um dos países mais secos do mundo, ela queria uma orientação sobre como enfrentar a dupla secura, individual e geográfica. Recomendei-lhe uma estadia preliminar em Bondi Beach, Sydney, uma praia muito frequentada por milhões de turistas, que a procuram para praticar o surfe, embora ela fosse utilizar uma prancha diferenciada.

Terminado o “aconselhamento”, presenteei a cocótica quarta-idade com o livro Os Contos e os Vigários – Uma História da Trapaça no Brasil, que procura responder uma indagação que se ouve todos os dias nos mais diferenciados ambientes: Por que as pessoas caem nos papos dos vigaristas?

Desde quando Jacó ludibriou Labão (Gn 30,31-34), as vigarices se multiplicaram. Parodiando o saudoso escritor Nilo Pereira, “se listarmos as vigarices do mundo, ainda sobram seis”. Segundo Dias Júnior, autor do livro que bem analisa os denominados por ele de “peritos do engano”, “um golpe aplicado com êxito significa a vitória de uma fantasia preparada por especialistas”. Quem não se lembra de Maurício de Nassau, manda-chuva holandês em Pernambuco, e o boi que ele faria voar?

Quem não se lembra de outro mineiro, o Marcos Valério, que se aproveitou daquela vontade atávica do brasileiro de querer levar vantagem em tudo, vontade que fez “legitimar” posteriormente os mais estapafúrdios procedimentos assacados contra a Petrobras, símbolo patrimonial do Povo Brasileiro? Como o daquele parlamentar federal que era um dos anões safados do Orçamento, que declarou ter uma sorte da cachorra, ao ganhar centenas de vezes na Loteria Esportiva. E o do outro, hoje líder de um partido outrora de dignas intenções, que tentou viajar carregando um montão de dólares acomodados na bunda.

No livro, com todas as letras, se explicita o golpe recebido por Paulo Maluf de um falso religioso, que se intitulava bispo de São João do Meriti, que declarou, alto e bom som, trajado pomposamente, antes de ser desmascarado, que “Deus é malufista e Jesus também”. E que não foi condenado em função do ditado universal que formou jurisprudência: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.

Prazerosas leituras de férias juninas. Pedagogicamente corretas. Para as vítimas não dizerem depois que “nunca na história deste país”…

(Publicado em 06.07.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves