PENSANDO FORA DA CAIXA


O título acima não tem nada a ver com a instituição bancária brasileira famosa, que anda de vento em popa, financiando casas e outras necessidades. Trata-se do último livro de Ricardo Gondim, presidente da Convenção Nacional Betesda e um dos líderes evangélicos do Brasil. Cearense, graduado em Administração de Empresas, ele obteve sua formação teológica nos EEUU, embora sempre portando uma visão genuinamente brasileira. Divulgado pela Fonte Editorial, o livro de título acima é composto de três grandes partes: Doutrina, Ética e Espiritualidade. Temas que refletem um pensar diferenciado, século XXI, onde “para pensar fora da caixa é necessário que a Graça volte a ser pedra de toque de toda espiritualidade e que o exercício teológico leve, até as últimas consequências, o que significa afirmar que Deus ama gratuitamente; que se enfatize que Ele não faz acepção de pessoas; que se reverta a tendência de transformar as igrejas em ‘bingos’, onde muitos buscam milagres e poucos recebem bênçãos. … Não é possível continuar apostando que Deus prospera os crentes mesmo que gostem de supérfluos mas que despreza os miseráveis dos campos de refugiados africanos e das periferias urbanas brasileiras”.

O texto do Gondim revela coerência e baita coragem, verberando sem contemplação todo movimento evangélico, onde “é possível descrevê-lo apenas como uma nova tendência religiosa, simplória em suas análises conceituais, supersticiosa em sua espiritualidade, obscurantista em sua convivência social, imediatista em suas demandas espirituais e guetizada em sua tolerância cultural”. Ele ainda cita outro estudioso, também pastor, Ricardo Quadros Gouveia, que analisa a influência do fundamentalismo na prática da espiritualidade: “O louvorzão, assim como as vigílias e as reuniões de oração, e até mesmo o mais simples culto de domingo, muitas vezes não passam de um tipo de superstição que beira a feitiçaria, uma vez que ele é realizado com o intuito de ‘forçar’ uma ação benévola da parte de Deus, como se o culto e o louvor fossem um ‘sacrifício’, como os antigos sacrifícios pagãos. Neste caso, não temos mais liturgias, mas sim teurgias, nas quais procura-se manipular o poder de Deus”. Teurgia é a arte de fazer milagres.

Para Ricardo Gondim, diferentemente dos “eleitos” por antecipação, todas as pessoas possuem uma dignidade que deve ser protegida, não importando que sejam ateus ou que não professem uma ortodoxia cristã. E ele declara que os neofundamentalistas são incapazes de celebrar a beleza e de se misturar com um mundo intensamente amado pela Criação.

No assunto púlpito, Gondim revela que “o besteirol que assola as pregações faz qualquer um se arrepiar”, misturando doutrina mediocrizada, frouxeza ética, vaidades múltiplas e politicagens internas, numa banalização que provoca repugnância até nos que minimamente pensam. Asco que se amplia ainda mais quando se percebe que a grande maioria dos cantos nada mais são que chavões reciclados, as igrejas se transformando em centros de autoajuda, onde bracinhos levantados, olhinhos revirados e gritinhos de amostração favorecem um nanismo cultural consolidado por um cinismo exibicionista, tudo amplificado num “evangeliquês” que aliena os frágeis que apenas curtem as sacralizações dos prédios e os mega-ajuntamentos, sem um tico sequer de pertencimento. E onde sobra ortodoxia e pouca ortopraxia, acumula-se um sal que não serve para salgar, emulando distanciamentos e abandonos.

O pastor Ricardo Gondim enfatiza: “O mundo carece de pregadores que saibam combinar a riqueza da oratória – sem os malabarismos eruditos que ressaltam o “sou bom nisso”, pura fogueira da vaidade (grifo nosso) – com a urgência profética. A lógica do raciocínio com a paixão evangelística. A doçura da poesia com a fidelidade exegética. A agilidade da intuição com a contemplação meditativa. A beleza da arte humana da oratória com o mistério da revelação divina”. Segundo Gondim, como seria edificante se todos pudessem ouvir novamente Martin Luther King Jr, “com voz altiva, com o dedo em riste e um olhar sereno, a desafiar os norte-americanos a sonhar, num belo refrão que se repete como música: I have a dream (Eu tive um sonho)”. Ou um Paulo de Tarso, que possuía orgulho gigante de ser sustentado pelo seu trabalho de fabricante de tenda, a ninguém mais causando despesa. E Gondim bate forte: “Ninguém dece considerar um religioso, pastor, bispo ou apóstolo que participa de atividades torpes. Eles devem ser encarados como escroques. … Quem, corporativamente, defende meliantes fantasiados de sacerdotes, torna-se cúmplice de seus crimes”.

O pastor Gondim revela muita coragem ao pensar fora da caixa, “sabendo combinar ousadia com autocrítica, arrojo com companheirismo, excelência com esforço”. Como fora da caixa deveriam estar todos aqueles que acreditam que somente a Verdade libertará, jamais os moralismos, os puritanismos e as manadas.

PS. Viva o poetíssimo Mário Quintana, gaúcho de excelente têmpera, quando ele afirmava que “Preocupar-se com a salvação da própria alma é indigno de um verdadeiro gentleman”!!.

(Publicada em 28/06/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves