PELAS MÃOS DE ALICE


Uma angústia se agiganta em meu interior de aprendiz de tudo, sempre recheado de múltiplas esperanças no porvir da humanidade, embora detentor de uma bagagem de conhecimentos cada vez mais diminuta, diante dos estupendos avanços científicos acontecidos a partir dos anos oitenta do século passado. Uma preocupação que incomoda bastante: a de que estamos beneficiando, com os avanços extraordinários da ciência, uma população mundial cada vez mais diminuta, o restante se conformando com qualquer migalha eletrônica, o todo tornando-se cada vez mais individualista, a grande maioria apegada aos midiáticos prometedores de tudo.

O século das massas de Ortega y Gasset parece hoje transformado num século dos embrutecidos humanisticamente, massa aqui podendo ser tomada como conjunto de pessoas que busca, sem freios nem penalidades, levar vantagem em tudo, pouco importando consequências e infelicidades, desesperos, desassistências éticas e solidariedade. E que se imagina sempre impune às violências do cotidiano, como se World Trade Center, Hiroshima, Nagasaki, KGB e Auschwitz fossem páginas viradas de uma História sem qualquer possibilidade de reprodução, mesmo que sob novos formatos e denominações de neo-isso e neo-aquilo, tudo farinha do mesmo saco no quesito fraternidade planetária.

A encíclica Fé e Razão, promulgada pelo papa João Paulo II em 1998, já afirmava que “o otimismo racionalista que via na história o avanço vitorioso da razão, fonte de felicidade e de liberdade, não pôde resistir face à dramaticidade de tal experiência, a ponto de uma das maiores ameaças, neste final de século, ser a tentação do desespero”.

Creio que uma tarefa histórica competiria ao Conselho Mundial de Igrejas: a de organizar para um futuro próximo o I Concílio da Comunhão Universal, reunindo as denominações religiosas do planeta, cristãs e não-cristãs. Onde, através de um temário de convergências, poder-se-ia estabelecer estratégias que contribuíssem para a construção de uma humanidade menos individualista, nunca apenas cientificista, a proclamar uma Ética vinculada ao tema Sobrevivência, um rotundo não às trilhas da autodestruição.

Os assuntos seriam debatidos numa colegialidade fraterna, percebendo todos que uma das patologias da pós-modernidade é aquela composta pelos que “espiritualizam” tanto suas Igrejas que acham que tudo nela é dirigido pelo que está lá em cima, desconhecendo um fato simples: onde há seres humanos, há relação de poder, a exigir intermediações dialogais eivadas de interesses os mais diferenciados. E conflitividades múltiplas, às vezes camufladas por sabichosos travestidos de pluralistas.

O Concílio acima teria como tema Ecumenismo Sempre, Convivialidade Permanente, Uniformidade Nunca Mais. Nele seriam tratadas questões prementes desta primeira quarta parte de século: evangelização para libertação, inculturação, descentralização eclesiástica, patologias fundamentalistas, revigoramento do laicato, ordenação feminina, celibato compulsório, homoafetividade, engajamento evangelizador, estratégias de disseminação de uma não-violência ativa, entre tantas outras.

E quem seria a Alice? Alice seria aquela que se encontrou no País das Maravilhas e que enfrentou um monte de enigmas. Tal e qual o mundo de hoje, que está a necessitar de uma melhor assimilação/compreensão dos seus paradoxos, sob pena de ser aniquilado sob as irracionalidades dos fundamentalismos mais estapafúrdios.
(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 13.07.2012
Fernando Antônio Gonçalves