PEDRO CASALDÁLIGA, UM BRAVÍSSIMO


Um livro escrito por 27 amigos homenageia o bispo Dom Pedro Casaldáliga, 82 anos, um dos líderes da Teologia da Libertação, que vive há mais de 40 anos no Brasil. De 12 nações diferentes, eles cederam seus textos para a edificação do retrato histórico do religioso, escritor e poeta barcelonês, um proeminente líder religioso, também defensor das minorias excluídas de nosso país. O livro se intitula Pedro Casaldáliga. Las causas que dan sentido a su vida. Retrato de una personalidad. E foi tornado público pela editora Nova Utopia.

Sempre proclamando que “minhas causas valem mais do que minha vida”, Dom Pedro, como lhe chamam os índios, dedicou-se pela América Latina, pela causa da terra e dos menos afortunados, aqui chegando em 1968 como missionário, tornando-se bispo de São Félix do Araguai por três décadas.

Segundo o teólogo Benjamin Forcano, Casaldáliga “é um apaixonado pela humanidade, um apaixonado por todo ser humano, uma pessoa que identifica o bem de todos com o próprio, nunca o dinheiro, o sucesso e o poder sendo causas de sua existência”.

Aos 82 anos, o bispo emérito da diocese de São Félix do Araguaia se converteu numa referência para a esquerda latino-americana. Há quatro décadas, desde que chegou ao Brasil para ficar, o trabalho em defesa dos direitos dos povos indígenas e dos grupos sociais mais oprimidos faz de Pedro Casaldáliga parte fundamental da memória viva da luta pela dignidade e pela libertação dos povos na América Latina. Dom Pedro defende que “há muita vontade de um socialismo novo” e, nesse contexto, defende que a Igreja “consciente e comprometida tem muita contribuição para dar, dialogando, estimulando a esperança, despojando-se de poderes e de privilégios e optando pelo pobre”. E enfatiza que, “apesar da involução oficial, cresce a consciência e a prática ecumênica e macroecumênica”.

Por ser um dos bispos mais notáveis de uma igreja que se encontra acocorada diante de uma evangelização socialmente responsável, ele declara sem subterfúgios: “a solidariedade deixou de ser aquela solidariedade paternalista, de enviar roupas, remédios, certos recursos… Deve ser uma solidariedade que vai e que vem, muito mais concreta e muito mais exigente: damos e recebemos, para que também a própria solidariedade, além de alimentar pessoas e curar doenças, facilite e estimule a vivência da própria cultura. Porque nós ajudamos pessoas que têm uma cultura, que não são simplesmente um estômago e algumas veias, mas que são povos. Por isso, temos que procurar que a solidariedade seja constante, consciente, autocrítica, local e global: de ida e de volta”.

Sobre a Teologia da Libertação, Casaldáliga esclarece: “Hoje em dia, há diferentes teologias da libertação. O que se fez foi incorporar mais explicitamente temas, setores da sociedade, da vida, que antes não eram tão considerados. Foram surgindo as questões associadas aos indígenas, às mulheres, à ecologia, às crianças de rua… Agora, trata-se de uma teologia enriquecida pelas reivindicações desses grupos emergentes, e por isso a Teologia da Libertação já é muito plural em seus objetivos, sempre dentro da reivindicação da libertação. Quando pedimos libertação para o povo negro, pedimos que ele possa se sentir com orgulho negro e que não lhe seja privada a cátedra, a função pública, o governo, que não haja a segregação que ainda existe. Veja que, quando eu vim para a América Latina, há 41 anos, os negros, em sua imensa maioria, não se reconheciam como tais. Inclusive, alisavam o cabelo para que não parecesse cabelo de negro. Agora, estão recuperando seu orgulho, sua identidade. Algo parecido ocorreu com a população indígena. Quando eu cheguei ao Brasil, dizia-se que havia 150 mil índios, enquanto que hoje há um milhão. Nesta região, por exemplo, os indígenas tapirapé reconquistaram seu território, os karajá reconquistaram também uma parte de seus territórios, os xavante também… E tudo isso tem o espírito da Teologia da Libertação”.

Casaldáliga, na sua lucidez evangelizadora, diz que é preciso viver simultaneamente o êxodo e o exílio: “Uma espiritualidade de pobreza evangélica e de esperança pascal. Uma solidaridade cada vez mais orgânica e mais mundial. O diálogo inter-religioso é uma reivindicação urgente, pois não haverá paz no mundo se não houver diálogo entre as religiões”.

Para mudar a situação, Dom Pedro afirma que “deve haver um grande processo de conversão, uma mudança de mentalidade. Enquanto acreditarmos que podemos ter tudo o que queremos, não há solução. Precisamente porque a situação é global, a proposta de dar uma consciência crítica sobre a situação real deve chegar a todas as bases. Cada família tem o direito e o dever de pôr um certo limite: se por um lado o pai está em uma ONG de solidariedade e, por outro, o filho está consumindo de mãos cheias, com essa conduta estamos desmoralizando o que estamos construindo”.

Sobre política, Dom Pedro enfatiza: “É preciso dar mais valor para a política. É preciso se meter na política, é preciso assumir a vocação política. Senão, ficamos cantando canções de protesto. A política foi desmoralizada, foi ficando nas mãos de pessoas sem consciência social nem responsabilidade. Tanto os partidos quanto os sindicatos causaram muitas decepções, mas continuam sendo válidos, mesmo que já não sejam tão hegemônicos, porque também há muitos movimentos sociais e ONGs que são muito valiosos”.

Um bispo muito arretado, como se diz pelas bandas nordestinas mais jovens.

(Publicada em 25/10/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves