PEDOFILIA NAS IGREJAS, VERGONHA MUNDIAL


Nas últimas semanas, dois momentos contrários muito me sensibilizaram, ampliando responsabilidades diante de uma conjuntura que está a exigir desabestalhamentos individuais e cidadania comunitária. O que me deixou radiante foi a leitura do livro Quanto Custa Salvar uma Vida, Campus 2010, de Peter Singer, renomado professor de Bioética da Universidade de Princeton, aclamado pela revista Times como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Um assunto que voltarei a comentar muito brevemente.

O segundo momento, entretanto, é vexatório, para não dizer canalha. Encareço aos leitores de todos os credos uma atenção redobrada ao documentário divulgado pelo canal HBO. Intitulado Deliver US from evil e legendado em português, ele revela a história do maior pedófilo do século XX, ainda vivo e ainda pároco de uma aldeia na Irlanda, onde passeia tranquilamente, depois de ter molestado centenas de crianças, quando ministrava celebrações eucarísticas em paróquias da Califórnia, Estados Unidos. O nome desse animal ainda padre é Oliver O. Grady, expulso dos EEUU com base em testemunhos de vítimas e de padres que corajosamente o execraram.

Esse pervertido Grady nunca foi punido, sendo sempre acoitado, o que é deveras vergonhoso para a cúpula da igreja nos Estados Unidos. O máximo de punição sofrida sempre foi a transferência do tarado para uma outra paróquia, onde continuava a cometer as mesmas atrocidades.
O chocante de tudo isso é o comportamento da corporação eclesiástica. Quando eclodiam os escândalos, os bispos não recebiam os jornalistas para os esclarecimentos necessários, sendo bem orientados por advogados para nada responderem.

Recentemente, as vítimas e seus familiares elaboraram cartas, e seus representantes, juntamente com padres com eles solidários, se deslocaram até Roma, na expectativa de serem recebidos pelo papa Bento XVI. O que não aconteceu, pois o grupo queixoso foi taxado de inimigo da igreja, a guarda suiça proibindo a entrada dele em seus domínios.

Segundo o documentário, desde 1953 a igreja católica nos Estados Unidos vem enfrentando uma batalha nos tribunais americanos, por denúncia de pedofilia praticada por “padres e outras autoridades eclesiásticas”, já acumulando indenizações de mais de um bilhão de dólares.
Recentemente, a BBC produziu um outro documentário, também estarrecedor, intitulado Sex crimes and the Vatican, demonstrando:

1. Que a prática da pedofilia e do abuso de menores é universal na Igreja Católica.
2. Que mesmo nos casos de réus confessos, como o animal Oliver O´Grady, a atitude da Igreja Católica foi sempre a de esconder os culpados, trasladando-os de paróquia em paróquia, abafando os escândalos.
3. Que uma série de casos de transferências de padres coincidem com denúncias de pedofilia e abuso sexual.
4. Que a Igreja chegou a compor um manual que ensinava como esconder os pedófilos e desqualificar as vítimas. O autor do manual? Cardeal Joseph Ratzinger, o atual papa.
5. Que a prática da pedofilia inclui não só a Europa e os EUA, mas também o Brasil, como mostra o caso detalhado no documentário, ocorrido no interior de Goiás.
6. Que um secretíssimo documento interno da Igreja, produzido já em 1962, orientava os bispos a impor silêncio às vítimas que denunciassem casos de estupros cometidos por padres contra crianças.

Segundo relatório datado de 2009, “foram feitas ao menos 800 novas alegações de abuso sexual de menores cometidos por clérigos apenas no ano anterior. O que representa um aumento de 16% em relação a 2007. O levantamento foi feito em quase 200 dioceses e ordens religiosas em várias partes dos Estados Unidos, e mostrou que mais de 20% das crianças abusada sexualmente pelos padres e sacerdotes não possuíam sequer 10 anos de idade quando foram molestadas”.

O jornal O Estado de São Paulo, edição de 13/03/2009, reproduziu uma cínica declaração do cardeal de Chicago Francis George, também presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, na qual ele dizia que “a Igreja está no caminho certo na sua busca por proteger melhor todas as crianças da sociedade”. O noticiário não titubeia: “Joseph Ratzinger chegou ao cúmulo de afirmar que os escândalos nos EUA seriam conseqüência da ruptura de valores da sociedade americana, quando na verdade o próprio papa era o encarregado de ocultar os casos de pedofilia dentro da Igreja, além de ter silenciado totalmente durante sua primeira visita ao país dos padres pedófilos, chegando inclusive a retirar do roteiro a passagem pela cidade de Boston, que mais concentrou casos de abuso de crianças, evitando assim tocar no assunto”.

O momento edificante, diante de tais atrocidades, omissões covardes e cumplicidades, foi tomado dias atrás pelo cardeal brasileiro Cláudio Hummes, atual prefeito para a Congregação para o Clero. Em declaração ao jornal L’Osservatore Romano, o cardeal declarou regime de tolerância zero para com os sacerdotes que se envolverem em delitos graves e abomináveis como a pedofilia. E foi mais além, o cardeal brasileiro: “uma vez acertadas objetivamente as responsabilidade de tantos males, é preciso ir resolutamente até o fundo, também fazendo recurso à justiça comum”.

Uma iniciativa corajosa, a do cardeal brasileiro Cláudio Hummes. Que ela não seja obstaculizada pelo atual pontíficie, ex-gerente da famigerada Santa Inquisição, hoje ostentando outra denominação, embora de mesma perversidade fiscalizatória. E que tem um irmão, também padre, especialista em esbofetear crianças.

(Portal da Globo Nordeste, 11.03.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves