PAULO, UM ABRE-ALAS NOTÁVEL


Tenho uma admiração toda especial por Paulo de Tarso, o bandeirante mais notável da história do Cristianismo. Recentemente, lendo um testemunho de Roger Garaudy – Deus é Necessário?, Zahar, 1995 -, melhor compreendi porque as linhas mestras dos ensinamentos do Homem de Nazaré nos foram legadas pelos evangelistas a partir dos testemunhos escritos de Paulo, que muito justamente os chama de “o meu evangelho” (Rom 2,19): as epístolas paulinas antecedem em alguns anos o primeiro dos sinópticos. E com um detalhe: Mateus, Marcos e Lucas foram colaboradores de Paulo, como revela o próprio Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas, companheiro fiel de Paulo em muitas missões. Daí a conclusão: a cartas de Paulo são a principal fonte inspiradora terrena dos Evangelhos.
O evangelho de Paulo se baseia em quatro grandes vertentes: Jesus é descendente de Davi (Rom 1, 3: 2Tim 2,8); encarna o poder de Deus, explicitado através dos seus milagres (2Cor 13,4); as perseguições e morte ratificam a tese do servo que padece, anunciada pelos profetas; e sua ressurreição é prova definitiva de sua divindade.
O que admiro em Paulo é a sua altivez nunca orgulhosa, seu desvitimismo, seu descoitadismo, sua máscula paixão pela causa do Cristo, apesar de não O ter conhecido em vida. Fato que, entretanto, nunca intimidou sua auto-classificação de apóstolo superior, quando “Deus me separou desde o ventre materno, e me chamou por sua graça” (Gal 1,15), somente tendo conhecido pessoalmente Pedro três anos depois das primeiras pregações. Ele mesmo confessa que perseguiu os convertidos em Cristo, mas também não esconde que trabalhou mais que todos eles (1Cor 15,10), correspondendo ao ideário d’Aquele que, “depois de todos, foi visto também por mim, um nascido fora do tempo” (1Cor 15,8).
Acredito que a fé cristã se encontra legitimamente contida na fé de Israel. As separações foram de natureza essencialmente políticas, onde talvez o próprio Paulo para isso tenha contribúido através das suas argumentações ousadas, de uma inteligência muito privilegiada, uma delas a de que tinha sido o único a ser arrebatado aos céus, onde se beneficiou de revelações extraordinárias (2Cor 12,2-6). Apesar de ter privilegiado os seus irmãos judeus, convidando até os mais notáveis para suas preleções (At 28,17), Paulo não se livrou da pecha de anti-semita do judaísmo primitivo, tido e havido que foi como criador do cristianismo.
Acredito que, em futuro não muito próximo, haverá uma mais ampla convergência de judeus e cristãos na construção de uma humanidade menos desfavorecida, onde as imensas desigualdades sociais sejam radicalmente minimizadas, todas as etnias consideradas igualitariamente, o Estado Palestino democraticamente implantado.
Vejo o Nazareno como um baita demolidor de barreiras sociais, um judeu que nunca menosprezou os rituais do seu povo, sendo vítima de uma estupenda maquinação política. Ele tinha uma vontade imensa de ver todo mundo exercitando suas diferenças numa fraternidade que impossibilitasse a fragmentação autofágica de um todo que é de todos. E Paulo de Tarso percebeu o esplendor da Mensagem através de uma teologia que consolida conversões e convergências. Respeitadas as diferenças de sempre.