PASTOR, MÁRTIR, PROFETA, ESPÍÃO


O ano de 1945, o do término da Segunda Guerra Mundial, vez por outra tem algumas de suas datas relembradas. Em 9 de abril, Dietrich Bonhoeffer é executado pelos nazistas, enforcado por ordem direta de Hitler. Três dias depois, eterniza-se Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, o único presidente possuidor de quatro mandatos consecutivos. No dia 28, Benito Mussolini e sua mulher Clara Petacci foram mortos. No final de abril, dia 30, Hitler e Eva Braun se suicidam. A Alemanha capitula em 8 de maio, encerrando a era do Terceiro Reich. Em julho, 25, dois meses após a vitória na Europa, Winston Churchill perde as eleições na Inglaterra. Os Estados Unidos lançam, em agosto 6, uma bomba atômica sobre Hiroshima, no Japão. A Segunda Guerra Mundial termina, com a rendição do Japão às forças aliadas, em 2 de setembro. E a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura é criada a 16 de dezembro.

Naquele ano de históricos acontecimentos, a 27 de julho, um funeral acontecido na Igreja da Santíssima Trindade, em Brompton Road, em Londres, parecia incompreensível para alguns ingleses, ainda tragicamente atormentados pelos estragos proporcionados pelos bombardeios alemãs: transmitida pela BBC, a cerimônia homenageava um alemão que morrera três meses antes. Seu nome de batismo era Dietrich Bonhoeffer, teólgo, pastor luterano, membro da resistência alemã, e um dos fundadores da Igreja Confessante, ala da igreja evangélica contrária à política nazista.

Nascido em fevereiro, 4, de 1906, em Berlim, Dietrich Bonhoeffer foi téologo, pastor luterano, integrante da resistência alemã anti-nazista, tendo se envolvido na trama da Abwer para assassinar Hitler. Filho de um psiquiatra de classe média alta, doutorou-se em teologia na Universidade de Berlim, efetuando seu pós-doutoramento no Union Theological Seminary de Nova York, retornando a Alemanha em 1931, tendo sido um dos signatários da Declaração de Bremen, em 1934, quando pastores luteranos e reformados rejeitaram enfaticamente o nazismo, proclamando que “Jesus Cristo, e não homem algum ou o Estado, é o nosso único Salvador”. Em 9 de abril de 1945 foi enforcado, juntamente com seu irmão Klaus e os cunhados Hans von Dohnany e Rüdiger Schleicher.

Para quem desejar se inteirar mais pela trajetória existencial de Dietrich Bonhoeffer, a editora Mundo Cristão lançou, no ano passado, a biografia Bonhoeffer – Pastor, Mártir, Profeta, Espião, de autoria do escritor norte-americano Eric Metaxas, um talento reconhecido e premiado, desde 2007 membro honorário do prestigiado British-American Project.

De humor encantador, diferentemente dos cascas-grossas puritanos e moralistas que se imaginam muito acima do bem e do mal, co-partícipes do Trono como assessor do Tudo, Bonhoeffer escreveu dois livros notáveis. O mais conhecido é Discipulado, onde ele declara que “a graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja”, sempre a expressar um profundo “fazer teológico poético”. O seu segundo livro, quando já se encontrava com os cães nazistas nos seus calcanhares, é intitulado Ética, em cujas páginas ele justifica seu engajamento na resistênca alemã: “É melhor fazer um mal do que ser mau”.

Para se combater o mal nazista, que mereceu aplausos de muitos purpurados oportunistas pusilânimes e covardes acabralhados, ele não temeu escrever: “Durante o último ano ou menos, vim a conhecer e compreender mais e mais a profundeza da mundanidade presente no cristianismo. … Não me refiro à mundanidade banal e superficial dos esclarecidos, dos ocupados, dos confortáveis ou dos lascivos, mas a profundidade dessa mundanidade, caracterizada pela disciplina e o constante reconhecimento da morte e ressurreição”.

Diferente de muitos “frouxêncios” travestidos de lideranças religiosas que apenas turistando ficam sem qualquer concretude libertadora, Bonhoeffer possuía imensa capacidade articulatória, arregimentando forças solidárias, planejando a eliminação do mal nazista, favorecendo a libertação da sua muito amada Alemanha.

(Publicada em 09.07.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves