PASSEANDO COM PESSOA


Com um colega de magistério universitário, passei uma tarde de sábado na companhia de Fernando Pessoa, de quem sou admirador de carteirinha, nunca renegando o pensar de Clarice Lispector, paixão também antiga, para quem “achar bonito é uma forma indireta de conhecer”. E o veículo utilizado no “passeio” foi o portentoso livro do jornalista João Correia Filho intitulado Lisboa em Pessoa – Guia Turístico e Literário da Capital Portuguesa, SP, editora Leya, 2011.

Partindo de um trabalho do próprio Pessoa, Lisboa: o que o turista deve ver, João Correia Filho transformou-o num apaixonante guia turístico e literário da capital portuguesa, incluindo outros locais imperdíveis, além de três itinerários inesquecíveis. O primeiro é baseado na vida e obra de Eça e Queiroz, o segundo retrata uma visita a Sintra, e o terceiro, não menos importante que os outros dois, relata um roteiro pelas livrarias e cafés lisboetas. O livro é amplamente regado a poemas pessoanos, textos de José Saramago, Inês Pedrosa e Luís de Camões, sendo de muita valia para aqueles que buscam se aprofundar na alma lusitana.

O livro do João Correia Filho, com imagens que encantam olhos e mentes, destina-se ainda aos possuidores de uma paixão por capitais que refletem grandeza histórica, nunca desprezando leituras inspiradoras que fortalecem a vida e adocicam existências, apesar de todos os seus pesares. O próprio Correia esclarece que seu livro destina-se àqueles que buscam conhecer Lisboa de um modo diferenciado do apenas contido nos planfetos e livretos turísticos elaborados para os menos exigentes, os que passam e se vão, turismo de massa. Sem uma percepção consciente de que turismo vai muito além dos instantes de descanso e superficiais admirações, sempre agregando reflexões, emoções e aprendizados, para compreender os mares navegados.

Percorremos as ricamente ilustradas informações turísticas contidas no livro do João Correia Filho, inclusive “visitando” o Café Martinho da Arcada, Praça do Comércio 3, fundado em 1782 e que ostenta o título de O Café Mais Antigo de Lisboa. No Café da Arcada, como era conhecido, ainda se conserva a mesa onde Pessoa costumava fazer suas refeições, também usando-a, por longas horas, para ler e escrever. Até hoje, lá se encontram alguns objetos utilizados pelo poeta: uma xícara, um açucareiro e alguns livros. Na parede junto à mesa, uma foto de Pessoa tomando uma, “em flagrante delito”, na expressão do autor do livro.

Como somos gulosos, informações sobre pastéis de Belém chamaram de pronto nossa atenção. Uma especialidade portuguesa encontrada por todo país, muito embora sua receita seja quase um segredo de Estado, de propriedade da Fábrica dos Pastéis de Belém, localizada em Lisboa. Para os lusitanos, há uma diferença radicalmente significativa entre pastéis que contêm natas e os verdadeiros pastéis de Belém, que não levam natas e são confeccionados essencialmente com gemas de ovos e açúcar.

Para quem deseja saber mais sobre a Lisboa amada pelo poeta Fernando Pessoa, uma visita à Fábula Urbis, rua de Augusto Rosa, 27, de propriedade do historiador e editor João Pimentel, seguramente proporcionará alegrias imensas. Ela é especializada em livros sobre Lisboa, lá sendo encontrados guias, fotolivros, livros de história e uma imensa literatura sobre a cidade, em vários idiomas. E ela também patrocina lançamentos de livros, tertúlias culturais, exposições e apresentações musicais. Quem desejar visitar interneticamente a livraria, o site www.fabula-urbis.pt não decepcionará.

No livro do Correia Filho sabe-se o significado de palavras como camisola, puto, cu, durex, sande, paragem, bicha e telemóvel, dando-se plena razão ao poeta quando ele diz que em Lisboa “há poesia em tudo – na terra e no mar, nos lagos e nas margens dos rios. Há-a também na cidade – não o neguemos – fato evidente para mim enquanto aqui estou sentado: há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia na trepidação dos carros nas ruas; em cada movimento ínfimo, vulgar, ridículo, de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho”.

Ficamos torcendo, findo o “passeio”, pela plena recuperação socioeconômica de Portugal, para que os turistas possam continuar passeando no elétrico 28, revivendo a Lisboa antiga, sempre intensamente amada.

(Publicada em 16.06.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves