PARÁBOLA RECONTADA


Como se escreveria, nos tempos que necessitam ser socialmente mais responsáveis, a parábola de Lucas 18,9-14? Uma maneira: Dois cidadãos subiram ao templo para cumprimento das suas obrigações. Um deles, pós-graduado numa área científica, carregava pasta de couro nobre contendo um curriculum-vitae substantivo, cartões de crédito, talões de cheques, um palmtop, além de pen-driver de um giga. Vaidoso, sobrepairava sobre os demais, como se todos lhe devessem respeito, incontidos aplausos e explícitas admirações. O outro, não-alfabetizado, sobrevivia como biscateiro de bairro popular. De alpercatas de rabicho e camisa doada, refletia ar sofrido, embora de muita confiança nos amanhãs da Providência. O pós-graduado, próximo à mesa principal, falou alto e bom som: – Deus Eterno, agradeço-Te por eu ser diferente dos que não estudaram, nem possuem discernimentos estratégicos, tampouco entendendo de computação e mercado financeiro. E agradeço ainda por ser diferente dos ladrões, corruptos e adúlteros, dos que jogam conversa fora, desconhecendo o que seja taxa de retorno, especulação imobiliária e terceirização para lucratividade maior. Nunca me esqueço de dar esmolas e patrocino eventos caritativos que me proporcionam diplomas e noticiários sobre responsabilidade social.
O outro, bem contrito no final do templo, orou bem baixinho, todo envergonhado: – Pai Amado, perdoa minhas faltas e omissões, minha insensibilidade diante dos sem-nada. Atenua minha incapacidade de, sozinho, soerguer-me para níveis convivenciais menos fingidos. Tem piedade das minhas desajeitadas orações, estendendo-me a Tua mão para que nela eu possa me abrigar todas as manhãs do meu viver.
E o segundo foi para a casa justificado diante de Deus.
A parábola nos ensina que devemos ser cada vez mais pidões da misericórdia divina, reconhecendo-nos insignificantes diante da onipotência de Deus. Sempre repetindo, a cada final de noite, a oração da Dona Lulu, favelada negra octogenária de um bairro de periferia: Senhor, clareia minha cabeça para que eu possa entender os Teus sinais. Uma prece evangelicalmente perfeita, a encarecer as Luzes do Eterno para enxergar melhor a missão por ELE confiada. Uma missão que pode estar ao alcance dos ainda ofuscados pelo individualismo mórbido: incentivador de ações sociais, auxiliar de escola dominical, visitador de doentes terminais ou contribuinte do caminhar cidadão da sua comunidade.
Saibamos nos perceber na direção d’ELE, carentes da Sua incomensurável misericórdia. Sempre pidões como o salmista: “Abre os meus olhos, para que eu veja as maravilhas da Tua lei” (Sl 119,18). Quase tal e qual o pedido da Dona Lulu, hoje em merecido descanso na Casa do Pai.