PARA SABER REDIGIR
Uma das minhas atividades atuais prende-se ao atendimento de executivos de empresas e gerentes institucionais no tocante às revisões dos textos não-ficcionais por eles preparados para os escalões superiores. Gente capaz que não foi devidamente preparada na redação de documentos/relatórios, talvez vitimada por uma educação somente voltada para as obsessões gramatiqueiras, posta de lado a graciosidade documental de relatos que melhor seduziria os leitores destinatários.
Muito recentemente, a editora Três Estrelas, São Paulo, ofereceu ao público brasileiro um clássico manual americano de escrita jornalística não-ficcional: Como Escrever Bem, William Zinser, 2017, 178 pp., lançado em 1975 nos Estados Unidos. Seu autor, eternizado em 2015, é até hoje reconhecido como um dos mestres de escritores e jornalistas, tendo colaborado com as principais publicações norte-americanas, o livro sendo reeditado nove vezes, sofrendo quatro atualizações, obedecendo as novidades tecnológicas últimas acontecidas, permanecendo com suas lições essenciais sobre criação e estilo, favorecendo a iluminação das trajetórias dos profissionais que deseja expor suas ideias e argumentos com correção, graça e coerência.
A redação de um bom texto não é tarefa fácil, sempre a exigir pesquisa, técnica e muito trabalho, principalmente em nossa contemporaneidade, quando a leitura compete com múltiplos meios de informação audiovisuais. E Zinser deseja oferecer aos seus leitores um instrumento que possibilite estruturar um texto que desperte prazer, juntamente com a força do estilo e a profundidade das ideias. Ele afirma que o excesso é o mal da escrita americana. E vai mais além: “somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e jargões sem nenhum sentido.”
Num livrinho pequeno, brilhantemente sedutor, Zinser faz umas recomendações pra lá de oportunas, absolutamente indispensáveis numa época como a nossa, quando a prolixidade, mancomunada com as frases sem quaisquer nexos, campeiam numa sociedade como a brasileira, onde a vulgaridade didática do Ensino Fundamental é responsável pelo desastre educacional de uma geração de frases descabidas e desconexas.
Para não cansar muito os leitores fubânicos deste site excepcionalmente antenado às diatribes do nosso cotidiano, transcrevo, abaixo, algumas das principais dicas e conselhos contidas no livro, encarecendo uma leitura bem rabiscada e atenta das suas páginas, que devem ser vez em quando relidas para evitar atropelamentos desastrosos e caducidades desprimorosas.
1. A redação de textos se alterou bastante nos últimos 30 anos. Novas tendências sociais e literárias, além de um extraordinário avanço das mulheres escrevendo não ficção. Novas palavras e usos, juntamente com um acelerado desenvolvimento dos computadores, favorecendo o fortalecimento de coisas intangíveis, como confiança, prazer, intenção e integridade. Desde os anos 1980, os processadores de texto, a internet, o e-mail, o Messenger e o whatsapp, além da emersão das redes sociais, em muito facilitaram a emissão de textos sintéticos, embora favorecendo o surgimento de armadilhas, o desaparecimento da essência do “escrever é reescrever”, posto que o fato de escrever fluentemente não significa escrever bem, de modo sedutoramente atraente.
2. Dois fatos comprovados após o aparecimento dos processadores de texto, diametralmente opostos: os bons escritores ficaram melhores e os escritores ruins pioraram. Os primeiros perceberam a potencialidade de alterar inúmeras vezes suas frases e parágrafos, ensejando revisões e remoções, acréscimos, sem a trabalheira de datilografar tudo novamente, enquanto os escritores ruins tornaram-se mais verborrágicos, a favorecer textos mais herméticos e inúmeras vezes propositadamente complexos.
3. Inevitavelmente, nos próximos 30/40 anos, novos procedimentos eletrônicos serão acrescidos aos processadores de textos, em muito beneficiando os bons e complexificando ainda mais os que foram gerados em pé numa rede…
4. Com a evolução dos processadores de texto, amplia-se o necessário hábito de pensar. E pensar bem, sempre organizando as ideias a partir da lógica, seguindo uma orientação muito lida de Lewis Carroll, autor consagrado de Alice nos País das Maravilhas: “Ela (a lógica) lhe dará clareza do pensamento, o hábito de arranjar suas ideias numa forma acessível e ordeira, e mais valioso que tudo, o poder de detectar falácias e despedaçar argumentos ilógicos e inconsistentes que você encontra tão facilmente nos livros, jornais…”
5. Há pessoas que imaginam ser a escrita um passatempo, algo extremamente divertido, as palavras fluindo facilmente. O autor do livro define o escrever como algo difícil e solitário, as palavras raramente fluindo com facilidade.
6. Outras pessoas imaginam que reescrever não seja necessário. O Zinsser afirma que reescrever é radicalmente necessário, proclamando que reescrever é a essência da escrita, existindo escritores profissionais que reescrevem suas frases inúmeras vezes, novamente reescrevendo o que tinha reescrito.
7. Todo profissional da escrita deve estabelecer uma rotina diária, atendo-se firmemente a ela. Segundo Zinsser, escrever não ficção é um ofício, não uma arte, todo sujeito que abandona seu ofício, por falta de inspiração, não deve ser levado a sério, podendo terminar economicamente destroçado.
8. Um escritor profissional são trabalhadores solitários, raramente frequentadores de almoços convencionais ou eventos promocionais.
9. Todos os escritores profissionais são vulneráveis e tensos. A questão maior é encontrar o verdadeiro homem a verdadeira mulher que existe por trás dessa tensão.
10. Todo escritor profissional persegue duas qualidades muito importantes: a sensibilidade para o humano e o entusiasmo.
Infelizmente, William Zinsser está coberto de razão: “somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações quase histéricas e jargões sem um mínimo de sentido.”
Creio ser chegada a hora de liquidar o juridiquês, o economês, o sociologuês, o teologuês e os demais embromation systems capazes de iludir abilolados, a grande maioria consumista deste mundão de meu Deus.
(Publicado em 26.06.2017 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br.)