PARA NUNCA ESQUECER


Há fatos e feitos que jamais devem ser esquecidos, sempre recordados para as novas gerações. Acontecimentos e gestos que enobreceram a raça humana, sobrepujando as barbaridades cometidas por personalidades assassinas nas diversas partes do mundo, ao longo dos séculos. Principalmente no século XX, decididamente um período de duas guerras mundiais e abominações inimagináveis.

Outro dia, sabendo das minhas predileções por relatos bélicos acontecidos, um amigo querido de Curitiba me enviou um livro publicado pela Editora Palas Athena, São Paulo, em 2013. Um livro que relata a trajetória de uma heroína polonesa católica durante o Gueto de Varsóvia, na Segunda Guerra Mundial. Intitulado A História de Irena Sendler: a mãe das crianças do Holocausto e escrito por Anna Mieszkowska, ressalta o salvamento de 2.500 vidas do Gueto, encaminhando-as para o abrigo de famílias cristãs, além da oferta de alimentos, roupas e remédios para os aprisionados em Varsóvia, sob risco da própria vida. Irena Sendler nasceu na Polônia em 15 de fevereiro de 1910, eternizando-se em 12 de maio de 2008. Ficou conhecida como “O Anjo do Gueto de Varsóvia”, sempre afirmando que “A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade.”

Para quem ainda desconhece a Segunda Guerra Mundial, o Gueto de Varsóvia foi o maior gueto judaico estabelecido pela Alemanha Nazista na Polônia durante o Holocausto, quando a fome, as doenças e as deportações para os campos de concentração reduziram a população estimada de 380 000 para 70 000 habitantes. A maioria das pessoas que estiveram no Gueto de Varsóvia foi morta por asfixia a gás no campo de extermínio nazista de Treblinka.

Quando a Alemanha invadiu a Polônia em 1939, Irena Sendler era assistente social, trabalhando no Departamento de Bem Estar Social de Varsóvia, onde com enfermeiras organizava espaços de refeição comunitários da cidade com o objetivo de responder às necessidades das pessoas mais carentes. Em 1942, quando os nazis criaram um gueto em Varsóvia, Irena uniu- se ao Conselho para a Ajuda aos Judeus, mais conhecido por Zegota. Ela mesma contou à autora do livro: “Consegui, para mim e minha companheira Irena Schultz, identificações do gabinete sanitário, entre cujas tarefas estava a luta contra as doenças contagiosas. Mais tarde tive êxito ao conseguir passes para outras colaboradoras. Como os alemães invasores tinham medo de que ocorresse uma epidemia de tifo, permitiam que os polacos controlassem o recinto”.

Sabedores das atividades de Irena, os nazistas da Gestapo prenderam-na em 20 de outubro de 1943. Levada para a prisão de Pawiak, foi brutalmente torturada. Num colchão de palha encontrou uma pequena estampa de Jesus Misericordioso com a inscrição “Jesus, em Vós confio”, conservando-a até 1979, quando a ofereceu ao Papa João Paulo II.

Mesmo com os ossos dos pés e das pernas quebrados pelos torturadores, Irena negou-se a revelar para onde estavam indo as crianças. Condenada à morte, um soldado alemão levou-a para fora do presídio, gritando para ela em polaco “Corra!!!”. A própria Irena iria encontrar, no dia seguinte, seu nome inserido na lista de polacos executados. Os membros da Zegota tinham conseguido deter a execução de Irena subornando os alemães, ela continuando a trabalhar com uma identidade falsa.

Em 1944, durante o revolta de Varsóvia, colocou as listas das suas crianças em dois frascos de vidro e enterrou-os no jardim de uma vizinha para se assegurar de que chegariam às mãos indicadas se ela morresse. Encerrada a guerra, ela desenterrou os frascos e entregou as notas ao doutor Adolfo Berman, o primeiro presidente do comité de salvação dos judeus sobreviventes. Lamentavelmente, a maior parte das famílias das crianças tinha sido morta nos campos de extermínio nazis.

As crianças só conheciam Irena pelo seu nome de código “Jolanta”. Mas anos depois, quando a sua fotografia saiu num jornal, depois de ser premiada pelas suas ações humanitárias durante a guerra, um homem chamou-a por telefone e disse-lhe: “Lembro-me de seu rosto. Foi você quem me tirou do gueto!”

Em 1965, a organização Yad Vashem de Jerusalém outorgou-lhe o título de Justa entre as Nações e nomeou-a cidadã honorária de Israel. Em Novembro de 2003 o presidente da República Aleksander Kwaśniewski, concedeu-lhe a mais alta distinção civil da Polónia, a Ordem da Águia Branca. Irena foi acompanhada pelos seus familiares e por Elżbieta Ficowska, uma das crianças que salvou, recordada como “a menina da colher de prata”.

Irena Sendler foi apresentada como candidata para o prémio Nobel da Paz pelo governo polaco. Esta iniciativa pertenceu ao presidente Lech Kaczyński e contou com o apoio oficial do Estado de Israel através do primeiro-ministro Ehud Olmert, e da Organização de Sobreviventes do Holocausto residentes em Israel. As autoridades de Auschwitz expressaram o seu apoio a esta candidatura, já que consideraram que Irena Sendler era uma dos últimos heróis vivos da sua geração, e que tinha demonstrado uma força, uma convicção e um valor extraordinários frente a um mal de natureza extraordinária. O premio, no entanto, foi dado a Al Gore pela sua defesa do meio-ambiente.

A reflexão de Rafael Schaff, um eternizado em 2003, deveria ser reproduzida em todas as entidades de educação básica: “Não se pode esquecer que, para o mal prevalecer, basta que as pessoas de boa vontade se abstenham de agir”.

(Publicado em 13.04.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves