PARA NOVOS ESCRITORES


Para todos aqueles que gostam de escrever, afoitamente indicaria um livro que me proporcionou momentos de muita aprendência. Considerado “o melhor livro sobre escrita de todos os tempos”, Stephen King é autor de inúmeros best-sellers no mundo inteiro, recebendo, em 2003, a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Foundation, sendo nomeado, quatro anos depois, Grão-Mestre dos Escritores de Mistério dos Estados Unidos.

Classificado como “um dos 100 melhores livros de não-ficção de todos os tempos” pelo Times, Sobre a Escrita foi editado este ano, no Brasil, pela Objetiva. Suas 255 páginas trazem uma monumental exposição sobre a arte de escrever, também não deixando de lado as memórias e as experiência do autor, um dos maiores contadores de história da atualidade. A partir de uma reflexão de Miguel de Cervantes – “A honestidade é a melhor política” – King também narra suas memórias de infância, os conselhos realistas e práticos transmitidos aos aspirantes a autor, embasados nos estilos clássicos de George Orwell e Ernest Hemingway. Um texto onde King ensina a construir personagens e tramas, a partir das vivências da infância, referenciadas com muita energia e tesão.

No capítulo Currículo, o primeiro, Stephen King revela que teve uma infância bizarra e imprevisível, indo parar na casa de uma tia, quando seu pai, depois de acumular todo tipo de dívida, se mandou e nunca mais apareceu. E ele mostra como se forma um escritor, nunca como se faz, posto que “eu não acredito que escritores possam ser feitos, nem pelas circunstâncias nem por autodeterminação”, embora “muitas pessoas têm algum talento para escrever ou contar histórias, e esse talento pode ser fortalecido e afiado.”

Na sua infância, King teve várias babás. E de uma delas, Eula-Beulah, guarda recordações inesquecíveis, posto que ela era “dada a peidos – daqueles barulhentos e fedidos”. E a história de sete ovos fritos comidos por ele, dados pela babá Eula, merece gargalhadas prolongadas.

Em outro momento da sua infância, Stephen conta como cumpriu a ideia de “cagar como um caubói”. Sentindo vontade de “empurrar”, termo então usado pela família para a função corporal, imaginou-se na pele de Hopalong Cassidy e de arma em punho, detrás de um arbusto, fez o que tinha que fazer, limpando-se com folhas, seguindo orientação do irmão que dizia que assim procediam caubóis e índios. O pior aconteceu quando King descobriu, já tarde demais, que aquelas folhas verdes eram de urtiga. Ficou dois dias com uma área vermelha e ardida do joelho até os ombros. De pênis poupado, mas de testículos acesões, mais parecendo dois faróis. Além da mão utilizada, inchada, “do tamanho da mão do Mickey, depois de levar uma martelada do Pato Donald, e havia bolhas gigantescas entre os dedos.” Obrigando o “urtigado” a tomar banho morno com amido durante seis meses, “me sentindo arrasado, humilhado e estúpido, ouvindo, com a porta aberta do banho, minha mãe e meu irmão rirem.”

Nascido em 1947, a família de Stephen King só teve televisão em 1958. E ele confessa: “Parando para pensar, faço parte de um grupo seleto: um dos poucos e derradeiros romancistas americanos que aprenderam a ler e escrever antes de aprenderem a comer uma porção diária de porcarias televisivas.”

Depois de assimiladas as diretrizes formuladas pelo King, aos novos escritores resta uma tarefa complementar: a de conhecer como as ideias se estão propagando nos últimos tempos. E um livro que levanta questões reestruturadoras pode excelentemente auxiliar as vocações dos escritores mais jovens, não os permitindo resvalar para criações sensaboronas, que apenas afastam leitores principiantes. Recomendaria o livro Notícias – Manual do usuário, de Alain de Botton, editado recentemente pela editora Intrínseca. Um volume que revela como a escrita criativa amplia sabedorias, estimula cidadanias, faz emergir anseios libertários, proporcionando utopias para um mundo que está a carecer de novos bandeirantes teóricos em todos os campos do saber. Escritos, eletrônicos, internéticos e extraterrestres.

Em breve, os mais antenados perceberão a “futurologia” do filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938): “Nós mesmos seremos dirigidos a uma transformação interna pela qual ficaremos frente a frente – em experiência direta com – a dimensão há muito sentida mas constantemente ocultada do ‘transcendental’. A base da experiência, revelada em sua infinidade, tornar-se-á então o solo fértil de uma filosofia de trabalho metódico, com a autoevidência, além disso, de que todos os concebíveis problemas filosóficos e científicos do passado estarão destinados a serem apresentados e resolvidos a partir dessa base”.

Assino embaixo o pensar registrado num para-choque de caminhão: “quem escreve foge ao besteirol de uma sociedade que prefere se atordoar a melhor se conhecer”.
(Publicado em 04.04.2016, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves