PARA MEIO ENTENDEDOR


Os parágrafos abaixo são intercomplementares, caríssimo leitor da Besta Fubana, inteligência privilegiada, cuca antenadíssima. Destinam-se aos que anseiam por uma reforma do Cristianismo, onde a Igreja Romana teria um papel importante, a partir de uma ampla reestruturação das suas estruturas organizacionais, hoje em plena involução, por cavilosidades burocráticas, predomínio de fundamentalistas reacionários e arrogância dos que continuam apregoando ser ela a portadora da única verdade.

Texto de Marcelo Barros, 27 de agosto 2012: “Hoje é o 13o aniversário da páscoa de Dom Hélder Câmara. A arquidiocese celebrou essa data, com uma cerimônia de trasladação dos restos mortais de Dom Hélder, Dom Lamartine, seu auxiliar e o padre Antônio Henrique (assassinado pela ditadura militar em 1969). Eles receberam túmulos um ao lado do outro em uma capela da Sé de Olinda. Participei da missa celebrada pelo arcebispo Dom Fernando e concelebrada por muitos padres e religiosos. A Igreja estava cheíssima e as autoridades políticas estavam presentes porque ali a Comissão Estadual da Verdade assumiu compromisso de investigar o assassinato do padre Henrique e do jovem estudante Fernando Santa Cruz. O arcebispo Dom Fernando fez uma homilia bonita e claramente profética. Mas, ele tem de se inserir em um contexto eclesiástico que ele encontrou aqui no Recife. No tempo de Dom Hélder, havia uma diversidade de linhas e certos embates nos ambientes de Igreja. Mas, eram confrontos claros e explícitos. Hoje, uma celebração como essa mostra uma maioria muito conservadora e nostálgica da Igreja medieval e uma minoria insatisfeita e meio perdida. Mas, não há mais debate nem diálogo. Simplesmente se faz de conta que está tudo bem. Há um certo cinismo nessas posições – às vezes, eu gostaria de no meio de uma missa assim gritar bem alto e como alguém que tivesse sofrido um acesso de loucura: O que está por trás dessa pompa eclesiástica? Que modelo de Igreja esse tipo de celebração significa?
Tenho a impressão de que alguns jovens vivem isso de forma folclórica e superficial. Nem são conservadores profundos. Simplesmente é mais interessante dar uma de conservador. Que Deus nos acuda e liberte!”.

Neste segundo parágrafo, um noticiário da Internet: “Num plenário esvaziado, apenas com alguns parlamentares, parentes e amigos do homenageado, o bispo cearense de Limoeiro do Norte, Dom Manuel Edmilson Cruz, impôs um espetacular constrangimento ao Senado Federal, ontem. Dom Manuel chegou a receber a placa de referência da Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara das mãos do senador Inácio Arruda. Mas, ao discursar, ele recusou a homenagem em protesto ao reajuste de 61,8% concedido pelos próprios deputados e senadores aos seus salários. “A comenda hoje outorgada não representa a pessoa do cearense maior que foi Dom Hélder Câmara. Desfigura-a, porém. De seguro, sem ressentimentos e agindo por amor e com respeito a todos os senhores e senhoras, pelos quais oro todos os dias, só me resta uma atitude: recusá-la”. O público aplaudiu a decisão. O bispo destacou que a realidade da população mais carente, obrigada a enfrentar filas nos hospitais da rede pública, contrasta com a confortável situação salarial dos parlamentares. E acrescentou que o aumento “é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão contribuinte. Fere a dignidade do povo brasileiro que com o suor de seu rosto santifica o trabalho diário.”

Por fim, uma notícia que intercomplementa os parágrafos anteriores: A editora Paulus acaba de lançar no Brasil o último livro de Hans Küng, teólogo de mão cheia e presidente da Fundação Ética Mundial. Um bravíssimo alerta de quem foi um dos consultores maiores do Concílio Vaticano II. O livro A Igreja tem salvação?, Hans Küng, SP, Paulus, 2012, é um profético brado de alerta de um teólogo de nomeada. Que proclama não dever se calar diante de uma situação que se apresenta quase em fase terminal.

Efetiva Küng um dignostico do sistema romano, aponta o germe de uma doença crônica, denuncia as contraforças que a estão impossibilitando de caminhar para a contemporaneidade, apresenta suas propostas de reformas através de medidas de salvação, sem quaisquer pretensões de destruição da Cúria Romana. Medidas que erradicariam os ranços inquisitoriais que ainda pululam em seus discastérios; uma auditoria nas suas finanças canhestramente mal administradas, para não se ser impiedoso; uma ampla participação dos leigos; uma não-fingida colaboração para a consolidação de um cristianismo ecumênico sem omissões procrastinatórias; eliminação do celibato compulsório; combate férreo à pedofilia; e uma participação de mulheres ordenadas em todos os escalões eclesiásticos. Tais medidas em muito contribuiriam para a minimização dos entraves que estão afetando cinco dimensões do cristianismo, todas entrelaçadas: crise no no âmbito da fé, crise de confiança, crise de autoridade, crise de liderança e crise de mediação.

Os alertas são diferenciados e conclusivos. Denúncias de cristãos que amam a Mensagem do Homão da Galileia, inconformados com os definhamentos sucessivos de uma organização que sofre de intempéries cáusticas provocadas pelos seus próprios mecanismos egolátricos, tão bem denominada de “igreja invernal” pelo saudoso teólogo conciliar Karl Rahner.

Se os remédios são amargos, pior será a inexorável involução de uma instituição erigida para dar continuidade às mensagens salvíficas de um Nazareno, que titubeou, na sua passagem entre nós, em chicotear os vendilhões do templo.

Perguntar não ofende: por que será que se amplia fortemente os quantitativos dos que sabem diferenciar salvação com igrejas?

(Publicada em 03.09.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves