PARA JORGE AQUINO


Recebi sua correspondência, datada de 6 de janeiro deste ano, Dia dos Reis Magos bastante comemorado em Natal, nossa cidade querida, onde você trabalha e evangeliza, independentemente das denominações religiosas e das intempéries provocadas pelos que se imaginam tampas-de-foguete, dos foguetes sendo apenas portadores das tampas.
Transcrevo partes delas para que os amigos leitores possam melhor aquilatar sua caminhada: “Nos últimos treze anos tenho convivido como cristão anglicano. Durante todo este tempo fundamos uma missão em Natal/RN; pastoreamos uma missão em João Pessoa, atuamos como arcediago na região norte da diocese, reitor do Seminário Anglicano de Recife, representamos a IEAB no CONIC e na CENACORA e escrevemos dezenas de livros, artigos, sermões e textos sobre o anglicanismo. Em todos estes anos, a cidade de Natal se acostumou a identificar a Igreja Anglicana com a minha pessoa e ao meu ministério. Somente recentemente, outros dois padres foram ordenados e estão desenvolvendo aqui seu sacerdócio. Devo, portanto, reconhecer minha absoluta e total identificação com o anglicanismo em seu jeito de ser, em seu etos, em sua liturgia, em sua forma de fazer teologia e em sua fé. De fato, não sou romano, ortodoxo ou evangélico. Minha identidade é anglicana e é isso que sempre serei”.
Concordo integralmente com o Jairo Aquino, quando ele diz que “entendo que a espiritualidade nada tem a ver com instituição e que nossa relação com Deus não está condicionada às igrejas. Não se pode aprisionar os dons e o sagrado dentro das instituições e das estruturas. Mais ainda, não concebo como os despenseiros do Reino possam se imaginar um dia como donos do Reino, mandando, dirigindo, ordenando, obrigando – como mandatários e arcontes deste mundo – tal como os trabalhadores da vinha. O maior perigo ocorre quando estes trabalhadores chegam a acreditar que ELES, e não Deus, são os donos da vinha. Desde sempre acreditei que quem quer ser o maior deve se acostumar a ser o menor, deve se acostumar a servir. Ministério é serviço, não domínio, e servir e se doar e não dominar. Não posso aceitar nem compreender que alguém queira ser o Don(o) de minha consciência e acredite ter a capacidade de silenciar um dom que não me foi dado por ele”. E também endosso sua opinião: “Nunca permitirei que a graça de Deus que me atingiu sucumba e seja manietada por mandatários ou coronéis eclesiásticos que se acham ou se vêem como Senhores da vida alheia, exigindo vênias e gestos de bajulação. A igreja erra, os bispos erram, os pastores erram e sei que errei em muitas escolhas que fiz na vida. Mas não é seguro nem certo ir contra a consciência e a minha consciência está cativa à Palavra de Deus e a seu Reino. Aceito ser acusado de ter feito escolhas erradas em minha vida (sim, eu as fiz e de muitas delas me arrependo), mas nunca de ter sido desleal com minha própria consciência”.
Como também anglicano, ratifico o seu posicionamento: “No anglicanismo, discordar é um direito; pelo menos sempre pensei assim. Minhas posturas e opiniões podem não agradar a todos, mas sabem distinguir a legalidade da justiça. Isto significa que os postuladores do dogmatismo e do positivismo jurídico sempre tendem a justificar seus atos injustos pela legalidade. Para eles, o que importa é o cumprimento estrito da lei, mesmo em detrimento das pessoas. Vê-se claramente que as pessoas são colocadas em segundo plano, quando o que está em jogo é o cumprimento conveniente da lei. Estes mesmos aplicadores da lei não são honestos o suficiente para admitirem que a descumprem e que fazem “vista grossa” às exigências dos cânones. Desta forma vemos como normal passar anos sem um concílio, sem prestação de contas, etc., e como consequência, assistir decisões tomadas por quem não tem a legitimidade conciliar para as tomar”.
Do amor de Jairo Aquino pelo Anglicanismo e episcopado histórico dou testemunho: “Em tempo, registre-se minha completa concordância com o episcopado histórico, mas minha absoluta discordância com um episcopado monárquico e absolutista. Antes de me despedir, quero registrar minha gratidão a todos os irmãos e irmãs que me acolheram como padre; a todos os queridos companheiros e companheiras no sacerdócio, e dois bispos que me acolherem, pastorearam e cuidaram como age um Pai, em Deus. Aos bispos Naldal e Filadelfo, meu abraço fraterno e carinhoso”.
Sou-lhe gratíssimo, rev. Jorge Luiz Freire de Aquino, pelos ensinamentos que você me proporcionou quando do meu ingresso na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Um livro sobre Anglicanismo, de sua autoria, que me foi presenteado pelo Bispo Dom Robinson Cavalcanti, um estudioso epíscopo, me ampliou as enxergâncias necessárias para entender caminhos eclesiásticos, ordenado que fui por Dom Glauco Soares Lima, um bispo sem fricotes nem fingimentos, com sua gigantesca sabedoria sempre à disposição dos irmãos caminheiros.
Nós assimilamos a lição magistral de Rubem Alves: “Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência. Minha alma tem pressa. Quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir dos seus tropeços, não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora, não foge da sua mortalidade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!”
Estamos juntos, Rev. Jorge Aquino! Sempre ao seu inteiro dispor e da querida Natal, onde nasci numa rua até hoje chamada Felipe Camarão.
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Fernando Antônio Gonçalves é professor universitário e pesquisador social.