PARA FICAR DE PONTA CABEÇA


Para quem se fantasia de marqueteiro, mais arrotando grandezas que criando novas estratégias, daquelas do Posto Ipiranga que alegram as programações televisivas, um livro de Paul Arden, autor de Tudo o que você pensa, pense ao contrário, representa, segundo a orelha, “o singular, o diferente, o oblíquo”, onde “ele vira pelo avesso, de cabeça para baixo, antes de passar a lâmina da genialidade da infância em seus nervos – ah! – tão adultos. Acorde ou vai se encrencar.”

De título Explicando Deus numa corrida de táxi, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2009, o livro explica sua finalidade logo na primeira capa, sem qualquer bla-bla-blá: “Desde o surgimento da humanidade, mais pensamento foi investido na compreensão de Deus que qualquer outro assunto neste planeta – e ninguém ainda descobriu nada. No percurso de uma corrida de táxi, este livro esclarece de uma vez por todas”.

O designer Roger Kennedy, assim descreve o autor: “Há mais ou menos sessenta anos, para se divertir um pouco, Deus criou um protótipo de homem com uma mentalidade saída diretamente do mestre do nonsense Edward Lear. Preocupado, porém, com o que pudesse ter construído, ele prontamente destruiu o molde e o jogou fora. O resultado dos seus trabalhos foi Paul Arden. Brilhante, implacável, charmoso, irascível e completamente excêntrico, Paul Arden é um ser original com garra e energia extraordinárias, abençoado com um gênio criativo aliado a um senso comum que, bem, não é nada comum”.

Quem imagina ser o autor um sacrílego, herege, debochado, ateu ou coisa que o valha, deve tirar o cavalo da chuva. As reflexões do Arden, às vezes ardem pra caramba, mas nos fazem refletir sobre uma crise planetária de fé, onde a maioria das pessoas aceita a religião sem uma mínima reflexão, porque está passando maus momentos, porque os pais quiseram, por influência de um programa televisivo ou porque acha o pregador bonitinho ou de salamaleques eletrizantes, quando não aterrorizadores, pregando uma perpétua queima dos rabetes dos não seguidores das suas recomendações.

Selecionei, para gregos, troianos e outras sexualidades, algumas reflexões do Arden, cutucadoras por derradeiro: “A maioria de nós precisa de algo espiritual em que acreditar. O homem não pode viver só de pão”; “É o desconhecido que torna a vida tão enriquecedora”; “Deus sabe como a Igreja sempre torna as coisas complicadas”; “Jesus realmente existiu. Era um homem inteligente e carismático que sabia atrair um multidão. Era um pacifista”; “A Bíblia é uma grande leitura, mas, como a brincadeira do telefone sem fio, sua verdade foi distorcida. É a Bíblia da Igreja, não de Deus”; “Hindus não comem vacas. Anglicanos comem carne aos domingos. O pecado de um homem é o rosbife do outro”; “As religiões são formas distintas de dizer a mesma coisa”; “Quando pessoas declaram guerra a outras, acreditam que estão sendo justas. Acreditam que Deus está do seu lado. Deus sabe que são insanas”; “Acreditar em Deus não faz de você uma pessoa religiosa. Faz de você uma pessoa espiritualizada”; “A firme crença na não-existência de Deus não é uma religião em si?”; “Evolução, acaso, criação, destino. Pode dar o nome que quiser. Essas palavras são usadas para descrever a mesma coisa: a existência de Deus”.

Para quem não deseja ser FFF – Frio, Frouxo e Fujão -, recomendaria uma leitura complementar à acima mencionada. De autoria de Deepak Chopra, O Futuro de Deus – Um Guia Espiritual para Novos Tempos, São Paulo, Planeta, 2015, ele propõe que “Deus está na consciência humana” e que “Qualquer pessoa pode encontrar o Deus interior e transformar sua vida cotidiana”. Sobre o crescimento do movimento ateu militante e do desinteresse pelas instituições religiosas, Chopra vê o movimento atual como propício por excelência para a transformação da espiritualidade no que ela realmente deveria ser: conhecimento confiável sobre a realidade superior. E explicita com muita sabedoria: “A fé deve ser guardada para o bem de todos. Da fé nasce uma paixão para o eterno, o que é ainda mais forte do que o amor. Muitos já perderam essa paixão ou a desconhecem. Em qualquer idade, a fé é um grito do coração. Deus é a maior consciência que já existiu”.

O testemunho do físico quântico Amit Goswami merece amplos aplausos: “O Futuro de Deus é importante por duas razões: a primeira é desbancar os chamados céticos, pessoas como Richard Dawkins, que, ao que parece, não consegue distinguir entre aspectos populares e esotéricos da religião. A espiritualidade encontrou novo suporte na física quântica e em outros avanços recentes da ciência. A segunda razão para a importância do livro é que ele é realmente um guia confiável sobre como buscar a Deus mesmo em tempos confusos”.

Duas leituras desabilolantes por derradeiro. A primeira, provocadoramente impactante. A segunda, indispensável para rodos aqueles que buscam trilhar novos caminhos, saindo dos catecismos infantis para uma compreensão madura sobre como contemplar a Criação com inteligência espiritual advinda de um ser humano concebido como uma unidade multidimensional.

(Publicado em 21.09.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves