PARA ESTRESSADOS


Outro dia me deparei com um amigo de longa data especializado em atividades esportivas, futebol mais especificamente. Suando que só uma chaleira, olhos esfogueados porque tinha tomado uns guaranás, mostrava-se sensivelmente preocupado com a situação dos estádios da Copa. Agoniava-o desde agora a hipótese de a Copa de 2014 não se tornar bem sucedida perante o mudo, fruto, segundo ele, das irresponsabilidades dos planejadores brasileiros, imediatistas por derradeiro. Seu estresse, visivelmente explicitado no seu rosto sem barbeação, vinha se aguçando bastante nas últimas semanas, em decorrência das morosidades praticadas pelo Congresso Nacional, decididamente uma área de pouco trabalho e muitas ingresias descriativas e nulificantes.

Acalmei o amigo sessentão, oferecendo-lhe um livro que portava, recém adquirido numa livraria, editado pela Sextante, chamado Nietzsche para Estressados, de Allan Percy, um coaching especializado em desenvolvimento profissional, respeitado mundialmente pelas consultorias feitas em áreas públicas e empresariais. E disse-lhe que me sentiria contrariado se percebesse a não-leitura do livro, pois considerava o trabalho do Percy um manual inteligente, provocador e radicalmente indispensável para seu atual nível de saúde, que o tornava atarantado como se fosse o único responsável pelos pontos fracos dos empreendimentos públicos requeridos para a Copa do Mundo. Assegurei-lhe que os aforismas do bigodudo filósofo alemão, o mais influente da era moderna, seguramente reduziriam significativamente suas angústias e receios.

Uma semana depois do encontro, recebo pelos Correios um bilhete do amigo que não mais se encontrava quase alucinado. Texto que merece ser transcrito, dado seu amanhecer diário ter se tornado mais ameno, de noites bem dormidas e comidas, a companheira radiante por estar vendo o maridaço novamente cumprindo suas obrigações profissionais e existenciais, diurnas e noturnas, sem precocidade orgásmica alguma. Transcrevo os dizeres do bilhete para os que me visitam neste canto, com a devida permissão jornalística do meu querido irmão Duda Amaral, um danado de ótimo global já plenamente restabelecido:

“Nando, meu irmão ex-gordo: Confesso-lhe que recebi o livro que você me deu de presente com uma pulga atrás da orelha, imaginando que você estava passando adiante uma sabedoria filosófica que não tinha nada a ver com os aperreios cotidianos causados por uma conjuntura nacional que ora dá um orgulho arretado, ora nos deixa mortinhos de vergonha. Chegando em casa, mostrei para Dinha, que você conhece de longa data, o livro que me tinha sido passado como “calmante filosófico”, dada sua mania de ler durante muitas horas por semana, para a alegria da Melba, que se sente mais protegida vendo você ao seu derredor. Após banho e jantar, comecei a ler o livrinho por consideração ao amigo de bairro e cinemas Rivoli e Coliseu. E só parei quase de manhãzinha, cinco e danou-se, quando senti os preparativos do café matinal e o berreiro de um neto que tinha pernoitado com a gente. Obrigadíssimo, irmão. Das doses filosofais do Nietzsche, escolhi as que serão os meus dez mandamentos d’ora por diante: 1. Precisamos amar a nós mesmos para sermos capazes de nos tolerar e não levar uma vida errante; 2. O homem é algo a ser superado. Ele é uma ponte, não um objetivo final; 3. A melhor arma contra o inimigo é outro inimigo; 4. Quem é ativo aprende sozinho; 5. Não deveríamos tentar deter a pedra que já começou a rolar morro abaixo; o melhor é dar-lhe impulso; 6.A maneira mais eficaz de corromper o jovem é ensiná-lo a admirar aqueles que pensam como ele e não os que pensam de forma diferente; 7. A mentira mais comum é a que um homem usa para enganar a si mesmo; 8. Quem não sabe guardar suas opiniões no gelo não deveria entrar em debates acalorados; 9. A potência intelectual de um homem se mede pelo humor que ele é capaz de manifestar; 10. O amor não é consolo, é luz. Obrigado, mano! Ampliei e muito a minha enxergância, como você diz. E agora sei, com a Dinha, que as sete maravilhas do mundo são ver, ouvir, tocar, provar, sentir, rir e amar. E deixar o biscoito feliz, nas oportunidades que aparecerem. Com admiração, X.”

Confesso que agradeci à Criação pela recuperação do amigo. E fiquei com uma vontade danada de adquirir um novo exemplar do livro do Allan Percy, para também buscar estabelecer meus Dez Mandamentos, aprimorando o caminhar conjugal com a Melba, minha Rayovac, de energia gigantesca em continuar ao meu lado, sempre cuidando da Dona Lu, a minha mãe, uma velhinha de 91 anos, Alzheimer em último estágio, que ainda conheceu a filha do coração, para nunca mais dela se esquecer, ainda que não mais a reconhecendo.

(Publicada em 01.07.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves