PARA ENTENDER A PATIFARIA


Para ampliar sua criticidade, todo cidadão brasileiro honesto, uma estupenda maioria, deveria ler a série de crônicas do jornalista Merval Pereira, diretor da sucursal do jornal O Globo, em Brasilia, intitulada Mensalão: o dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil, editado este mês pela Record, com prefácio do ministro STF Carlos Ayres Britto e orelha do jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, outrora um dos mais talentosos cientistas políticos da Fundação Joaquim Nabuco, admiração intelectual nossa de longa data.

Antevendo as tentativas bajulísticas e imorais de alguns deputados e senadores, desacostumados todos com a ética e a compostura que deveriam ser os balizamentos de um Congresso Nacional, o posicionamento do jurista Joaquim Falcão, no livro, é vacina mais que oportuna para todos aqueles que buscam um país mais respeitado no cenário democrático mundial: “Para o Brasil, o destino da Justiça é tão importante quanto o de sua economia e democracia. … A medicina é a arte da saúde. A política, a arte da democracia. O direito, a arte da justiça. O campo dos artigos de Merval é o da ‘coragem da verdade’, diria Foucault”.

Como ressalta, no prefácio, o ministro Carlos Ayres Britto, o texto do Merval “apontava para o surgimento de uma quadra histórica mais fortemente veiculadora da ideia-força de que há um modo argentário de fazer coalizões ou alianças político-partidárias que o direito brasileiro e seus mais isentos intérpretes não mais toleram e até excomungam. E que já não dá para prosseguir na cultura da impunidade, que a tanto se opõe o princípio tão jurídico quanto civilizado de que a lei é para todos; ou seja, princípio de que ninguém, republicanamente ninguém, está acima do bem e do mal”. Em outras palavras: nenhum político sacripanta, do Congresso Nacional ou de uma câmara de vereadores de um pequeno município brasileiro, do Executivo e do Judiciário, sobrepaira acima das normas jurídicas que devem punir com rigor os ilícitos praticados por esquerdeiros ou direitosos, sejam eles de qualquer agremiação partidária e sejam eles quem forem: presidenta, ex-presidentes, dirceus, genoínos e paulos, ricaços ou não, todos devem sofrer as punições transitadas em julgado. As grades não devendo distinguir formados ou não-formados, do sul ou do nordeste, raparigais ou santarrões.

A pergunta está na boca do povo: por que será que deputados federais, mentalmente jumentálicos e comportamentalmente desvairados estão enfurecendo milhares de pessoas responsáveis com a proposição de PECs mal intencionadas, que objetivam a desmoralização do arcabouço jurídico brasileiro, iludindo os que não enxergam suas manobras sectárias? Por que razões, de posturas cínicas estampadas nos semblantes quase debiloides, eles visam iludir um eleitorado que ainda se encontra, em sua maioria, num estágio mentalmente subdesenvolvido, ratificando aquilo que o notável Gunnar Myrdal, economista sueco, já dizia na época de minha graduação universitária que “o pior subdesenvolvimento é o mental”?

Outro dia, o meu irmão João Silvino da Conceição, caminheiro que nem eu aos trancos e barrancos por um Brasil eleitoral ainda mentalmente meio peba, disse com muita propriedade: “Tenha sempre fidelidade pelas suas opiniões, mas não as torne fixas diante de conhecimentos mais bem fundamentados. Nossas opiniões não passam de opiniões, jamais serão a verdade, posto que ninguém sabe o que é a verdade. Todas as pessoas que se imaginam donas da verdade se tornam inquisidoras, desconhecendo o que significa tolerância”. E enumerou algumas personalidades, de todos os estados, algumas vivas e outras já transpostas, todas aproveitadoras da ingenuidade do eleitorado brasileiro.

Depois de um papo bem espichado de bom, regado a pastéis de festa e outras iguarias, Silvino fez um elogio rasgado a livro lançado recentemente pela Bertrand Brasil, escrito por um dos principais pensadores contemporâneos, Edgar Morin, um nascido em 1921, também antropólogo, sociólogo e filósofo, muito além dos tempos de agora, um mundo recheado de conflitos étnicos, religiosos, sexuais, midiáticos e políticos, onde até um ditador ainda quase adolescente, fisionomia inconfundível de paspalho, quer brincar de tocar fogo no mundo, esquecendo-se de colocar o rabo de molho, pois será um dos primeiros tosqueados.

No livro do Morin, A Via – Para o Futuro da Humanidade, se pode ter um panorama de um mundo em crises sucessivas causadas por três vertentes, a mundialização, a ocidentalização e o desenvolvimento. E entre caos e sobrevivência, Edgar Morin busca traçar as linhas mestras de uma reestruturação de práticas e pensamentos coletivos de uma sociedade planetária que necessita tornar-se mais humana e solidária, sob pena de incalculáveis catástrofes ambientais.

Afirmando ser uma versão preliminar repleta de lacunas, a ser futuramente complementada por especialistas, Morin ratifica o que escreveu no fim do prefácio do seu notável O Método: “Sinto-me conectado ao patrimônio planetário, animado pela religião do que religa, pela rejeição daquilo que rejeita, por uma solidariedade infinita.”

Para melhor defenestrar os larápios fantasiados de políticos da cena brasileira, saibamos ler, com os olhos voltados para o futuro, o livro Mensalão – o dia a dia do mais importante julgamente da história política do Brasil, entendendo, para mais cidadanizados nos tornarmos, a reflexão do também ministro do STM Celso de Mello: “Há políticos, governantes e legisladores que corrompem o poder do Estado, exercendo sobre ele ação moralmente deletéria, juridicamente criminosa e politicamente dissolvente”. E alertou sobre “a perigosa situação a que o país está exposto, dirigido por dirigentes capazes de perpetrar delitos difamantes”. Como nunca antes na história deste país …

(Publicada em 29.04.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves