PARA DEBATES SERENOS
Em maio passado, a Companhia das Letras tornou público em língua portuguesa um texto de Richard Dawkins, zoólogo, etólogo e evolucionista britânico, professor aposentado da Universidade de Oxford, conhecido mundialmente como o “rottweiler de Charles Darwin”. Com o título de A Grande História da Evolução, a exposição de Dawkins requer uma leitura atenta das suas mais de setecentas páginas, se se deseja contribuir para convergências sadias entre as duas grandes vertentes fomentadoras da Vida: a Ciência e a Fé.
Dizem os historiadores que quando Charles Darwin lançou, em 1859, o seu estudo A Origem das Espécies, o conservadorismo religioso inglês o chamou de “o homem mais perigoso da Inglaterra”, para não revelar, aqui, impropérios mais cabeludos assacados contra o pesquisador pioneiro do evolucionismo. O próprio Darwin escreveu em 1871 que “a ignorância alimenta a confiança mais frequentemente do que o conhecimento: são aqueles que sabem pouco, e não aqueles que sabem muito, os que tão confiantemente assumem que esse ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência”.
No século XIX, a teoria evolucionista provocou um rebuliço na sociedade britânica, principalmente na Sociedade Britânica para o Desenvolvimento da Ciência, a sociedade avó da nossa SBPC. Em junho de 1860, no salão principal do Museu de Oxford, um acalorado debate refletiu bem os ânimos de então. O naturalista evolucionista Thomas Huxley, apelidado de Bulldog de Darwin, apresentava suas reflexões sobre o parentesco entre o homem e o macaco, quando o bispo Samuel Wilberforce perguntou a Huxley se o parentesco dele com os macacos vinha do lado paterno ou materno. Ouviu uma resposta que ficou célebre: “se tivesse de optar entre um miserável macaco para avô ou um homem dotado de grande inteligência e influência, mas que usa tais virtudes para trazer o ridículo a um sério debate científico, sem hesitação optaria pelo macaco”.
A historinha real acima se encontra num livro recente, honestamente escrito por Sandro de Souza, biólogo PhD da Universidade de São Paulo, que frequentou por quatro anos o pós-doutorado de Harvard, trabalhando com Walter Gilbert, Prêmio Nobel de Química. O livro intitula-se A Goleada de Darwin, editado pela Record, e narra a evolução dos debates entre criacionistas e evolucionistas. O texto do Sandro Souza proporciona um panorama bastante lúcido sobre as discussões desenvolvidas, inclusive trazendo um pronunciamento de Barack Obama, quando ainda pré-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos: “Acredto em evolução e apoio o consenso da comunidade científica de que a evolução está cientificamente validada. Não acredito que seja útil aos nossos estudantes corromper discussões de ciência com teorias não científicas, como a do ‘design inteligente’, que não estão sujeitas ao escrutínio experimental”.
O debate tende a se aprofundar. Creio que Richard Dawkins presta um imenso favor, quando alfineta aqueles que tentaram queimar na fogueira Galileu Galilei, desmerecer Teilhard de Chardin e que buscaram apedrejar o ainda atuante, embora aposentado, bispo anglicano John Shelby Spong. E que ainda não assimilaram a lógica do cisne negro, título do livro de Nassim Nicholas Taleb, libanês especializado em problemas relacionados à incerteza e à probabilidade.
Receio que a fogueira da vaidade assuma as rédeas do debate, iludindo mais que esclarecendo e radicalizando mais que promovendo compreensões e convergências, quando todos deveriam estar cientes de que a Verdade jamais será integralmente desnudada. Lamentavelmente, as religiões foram utilizadas para justificar a supressão de inúmeros direitos humanos, maus tratos e assassinatos abomináveis, quando deveriam incentivar o pensamento crítico para reduzir os dogmatismos ridículos, as superstições cavilosas e os fanatismos desvairados em nosso planeta.
Um teólogo anglicano está com um livro traduzido recentemente para a língua portuguesa. Deus – Um Guia para os Perplexos é o seu nome. Seu autor, Rev. Keith Ward. A editora é Difel. O prefaciador do livro, Leonardo Boff, enfatiza: “Ward tenta ir além das discussões meramente racionais sobre Deus, pois o conhecimento humano, isso ficou claro depois de Kant, não dispõe de um fundamento último de certezas absolutas, base de decisões definitivas”. Um excelente texto para desabobados.
Reflexão recente realimenta esperanças e alavanca convicções religiosas, desmitologizando ontens e preparando-se para os amanhãs desafiadores dos novos buracos negros: “Se pudermos reconhecer que a religião, como qualquer ideologia, é uma construção social – com benefícios, perigos, invenções arbitrárias e, acima de tudo, raízes na natureza humana -, então poderemos renunciar a muitos argumentos vazios e voltar às maravilhas terrenas da bancada do laboratório”