PARA APROXIMAR-SE MAIS DE DEUS
Para quem tem ampla sede de Deus e se encontra enojado de patifarias eclesiásticas as mais diversas, incluindo aqui a pedofilia, crime hediondo que deveria merecer severíssimas punições, até emasculações profiláticas segundo alguns mais revoltados, a leitura de um bom livro pode aclarar caminhares libertadores, ampliando uma Fé muitos furos acima de lideranças denominacionais moralistas e puritanosas, descontemporâneas por derradeiro. Uma vacina efetiva contra posturas travestidas de cristãs, meras estratégias pecuniárias que ainda se autoproclamam sósias de Deus.
Outro dia, no consultório do dentista Clodoaldo Sampaio, um dos profissionais mais bem conceituados da região, um livro presenteado por amiga dileta me fez iniciar horas seguidas de aprofundamento espiritual. O autor é mexicano, médico e também mestre em Teologia pela Universidade Bíblica Latino-americana da Costa Rica, atualmente dirigente do Centro Basiles de Investigación e Apoyo e integrante do comitê editorial da revista Signos de Vida, do Conselho Latino-americano de Igrejas.
O livro do Leopoldo Cervantes-Ortiz – A Teologia de Rubem Alves, poesia, brincadeira, erotismo, Papirus, 2005 – analisa o pensamento desse talento brasileiro de uma perspectiva bastante incomum, de acordo com as próprias características da obra do analisado. E ressalta como a escrita de Rubem Alves surge da teologia, progressivamente dialogando com a filosofia, a psicanálise, a sociologia da religião, a pedagogia e a literatura.
Desde o início da década de 1980, Rubem Alves vem ampliando suas meditações, dedicando-se a assuntos que ultrapassam os temas teológicos propriamente ditos. Principiou a escrever crônicas e estórias para crianças, sua obra se tornando um enorme desafio para desavisados especialistas. E esse desafio, para Leopoldo Cervantes-Ortiz, é o mote primeiro do seu livro: retomar as origens e a evolução do pensamento de Rubem Alves, um autor que se distancia radicalmente das correntes teológicas esclerosadas, percorrendo um itinerário intensamente criativo, efetivamente evangelizador, nunca nostálgico.
O livro não necessita ser adquirido, basta ser vagarosamente assimilado. Se se colocar no Google o nome Leopoldo Cervantes-Ortiz, encontrará a versão integral dele em pdf. Além de vários outros escritos, artigos, análises e documentos. O livro contém duas reflexões notáveis do próprio Alves: “Teologia não é coisa de quem acredita em Deus mas de quem tem saudades de Deus”; e “Gostaria que a teologia fosse isto: as palavras que tornam visíveis os sonhos e que, quando ditas, transformam o vale de ossos secos numa multidão de crianças”.
Para leitores exigentes, foi acrescido um notável prefácio à edição brasileira, do escritor Carlos Rodrigues Brandão. Um prefácio inspirador, onde ele compara Rubem Alves a Gaston Bachelard na arte de possuir duas atividades. Uma, a de criar conceitos. A segunda, tão importante quanto à primeira, a de exercitar devaneios. Sempre ressaltando que Rubem Alves “não escreve para teólogos, mas para companheiros militantes de evangelho e de ecumenismo”.
O livro do Leopoldo Cervantes-Ortiz traz uma outra novidade, um prefácio do próprio Rubem Alves. Onde ele revela que “a literatura me chegou sem que eu esperasse, sem que eu preparasse o seu caminho. Chegou-me através de experiências de solidão e sofrimento”. E é ele próprio quem agradece ao autor do livro, ao final do prefácio, o presente de aniversário proporcionado, “pacientemente juntando as peças do meu quebra-cabeça”, que estuda a trajetória de um Alves que se libertou dos cacoetes acadêmicos inibidores, ao perceber que o sucesso da criatividade está em pensar fora dos engradados, das litanias características de um único palmilhar.
Vale a pena debruçar-se sobre o livro do Cervantes-Ortiz, para perceber que ideias e conceitos jamais poderão ser definitivos. Assimilando as evoluções ocorridas, enfronhando-se com as quatro dimensões da Evolução, a genética, a epigenética (transmissão de características celulares, alheias ao DNA),a comportamental e a simbólica (transmissão através da linguagem e de outros modos de comunicação), talvez um passo além de Charles Darwin.
Para os leitores deste Portal muito liderança, findo este texto reproduzindo uma oração de Rubem Alves, explicitada à página 180 do livro do Cervantes-Ortiz. Uma beleza de oração, destinada aos que sabem ser caminhantes, sempre à mercê da misericórdia divina: “Meu Deus: Não é sempre que o teu nome está na minha boca. Às vezes me esqueço de ti. E é bom que assim seja. Sinto o teu sorriso de aprovação. Há certos esquecimentos que nascem da confiança. O ciumento, que vive sem parar a possibilidade da perda, não esquece nunca…”
Feliz Páscoa para todos nós, planetários acima de tudo !!
PS. Nesta Páscoa 2010, entre os teólogos alemãos Hans Küng e Joseph Ratzinger, minha solidariedade fraterna ficará irmanada ao primeiro.
(Portal da Globo Nordeste, 26.03.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves