PARA ANOTAÇÕES DO GERALDO FREIRE
Os causos contados pelo Geraldo Freire, inteligência e criatividade jornalística pra ninguém botar defeito, sempre são reproduzidos interneticamente sob aplausos mil e muitas gargalhadas, nos mais variados ambientes, dos sociais finos aos meretriciados mais cabeludos. Para ele, então, vão abaixo dois causos acontecidos de mesmo, um neste Brasilzão arretado, outro lá na pátria amada dos nossos antepassados lusos.
1. Nas varas especializadas de família, no mundo inteiro e sem distinção, os processos correm em segredo de justiça, muito embora alguns casos singulares, por não possibilitarem constrangimento de espécie alguma, sejam passíveis de ampla divulgação, servindo de incentivo para iniciativas corretórias que eliminam acanhamentos e complexos os mais diferenciados.
No mundão lusófono, por exemplo, como nas demais localidades, acontece cada coisa que até o Homão lá de cima duvida. Agora mesmo, amigo fraterno de Oeiras, uma das mais hospitaleiras cidades portuguesas, me envia cópia de uma petição, fato acontecido em plena África de língua camoniana, com um não menos interessante despacho de magistrado reconhecido pela sensatez dos seus pronunciamentos.
A petição tem o seguinte teor, resguardada a identidade da sede da comarca e também do país: Sicranópolis, 5 de março de 2002. Ao Senhor Juiz da Vara e Família. Assunto: Solicitação para mudança de nome. Eu, Maria José Pao, casada, do lar, gostaria de saber da possibilidade de se bulir no sobrenome Pao de meu nome, já que a presença do Pao tem me deixado embaraçada em varias situações. Desde já antecipo agradecimento e peço deferimento. Maria José Pao.
Em resposta, o douto magistrado lhe remeteu a seguinte correspondência: Cara Senhora Pao: Sobre sua solicitação de remoção do Pao, gostaríamos de lhe informar que a nova legislação permite a retirada do seu Pao, mas o processo é deveras complicado. Se o Pao tiver sido adquirido após o casamento, a retirada é mais fácil, pois, afinal de contas, ninguém é obrigado a usar o Pao do marido se não quiser. Se, entretanto, o Pao for do seu genitor, o caso se torna ainda mais difícil de solução imediata, pois o Pao a que nos referimos é de família e vem sendo usado por várias gerações. Se a senhora tiver irmãos ou irmãs, a retirada do Pao a tornaria diferente do resto da família. Não seria agradável cumprimentar todos com Pao, menos a sua pessoa. Por outro lado, cortar o Pao de seu pai deverá magoá-lo de modo irreversível, deixando-o decididamente infeliz. Outro problema, porém, está no fato de seu nome completo vir a conter apenas dois nomes próprios, ficando esquisito caso não haja nada para colocar no lugar do Pao. Isso sem falar que as demais pessoas estranharão muito ao saberem que a senhora não possui mais o Pao do seu marido. Uma opção bastante viável seria a troca da ordem dos nomes. Se a senhora colocar o Pao na frente da Maria e atrás do José, o Pao pode restar mais escondido, porque a senhora poderia assinar o seu nome como Maria P. José. Nossa opinião é a de que o preconceito contra este sobrenome já acabou há muito tempo e que, já que a senhora usou o Pao do seu marido por tanto tempo, não custa nada usá-lo um pouco mais. Eu mesmo possuo Pao, sempre usei e muito poucas vezes o Pao me causou embaraços. Atenciosamente, Desembargador Joaquim Manoel Pao, Vara de Família do Tribunal de Justiça.
2. Por estas bandas, lembro-me, em meados dos anos 90, de um problema julgado numa Vara de Família. Profissional recém diplomado em nível superior havia peticionado solicitando alteração do seu nome de batismo, Sebastilhão Bunda Verde. Deferido o pedido, a autoridade judicial convocou o signatário para uma audiência final decisória, quando lhe foi perguntado sobre o novo nome desejado. Como resposta, sem causar qualquer alarido na sala de audiências, o inquirido, jovem apessoado, de terno engomado e gravata de nó muito bem construído, declarou gostar de se assinar Sebastilhão Bunda Negra, posto que ele se sentia integrado ao reino animal, jamais se imaginando pertencer ao reino vegetal…
O Mário Souto Maior, pai do meu dileto amigo Jan Souto Maior, um arretado em computadores e outros sistemas, certamente lá da eternidade já fez as suas devidas anotações, ele que muito se notabilizou pelas suas pesquisas em busca de nomes próprios pouco comuns.
(Publicada em 23.07.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves