PARA AMPLIAR BINOCULIZAÇÕES
Uma jovem mãe quase quarentona, dois filhos adolescentes e marido prá lá acomodado, embora de renda familiare satisfatória, me perguntou, por ocasião de uma mesa redonda sobre Família, Filhos e Futuros, denominada de Encontro 3F pelos promotores, como minimizar tropeços existenciais. Diante de um mundo que parece não ter mais solução, ela percebia a crescente multiplicação de ambientes pessoais e profissionais ocos e superficiais como o dela, onde o prazer de viver estava sendo substituído por superficialidades comportamentais, sorrisos vazios, risadas sem nexos e bravatas que proclamavam realizações duvidosas. Que a irritavam fortemente quando recheadas de religiosidades bolorentas, que cabresteavam mentalidades abiscoitadas.
Pedi um tempo para responder e resolvi, com permissão da jovem sem hora, externar publicamente algumas indicações que ensejassem uma contemplação menos alienada dos amanhãs planetários, enfrentando com mais consistências uma modernidade tecnocientífica que às vezes apavora quando verdadeiramente proclama que “estamos viajando 19 milhões de quilômetros por dia ao redor da galáxia Via Láctea, que gira num universo de mais de 100 bilhões de galáxias, cada uma abrigando 100 bilhões de estrelas”. Dados de um conhecimento científico que se expande exponencialmente, dispensando vez em quando princípios éticos aplicáveis a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, independentemente de autoridades humanas ou mandamentos religiosos.
Numa época onde predomina um individualismo que vilependia práticas comunitárias, ignorando um existir apetrechado de boa criticidade, de muita valia são as reflexões sobre textos que revigoram têmperas, possibilitando compreensões substantivas sobre as razões de uma nunca homogeneização planetária. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada, texto de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, Companhia das Letras, 2011, poderá ser uma primeira leitura de muita “sustança”, elevando o entendimento acerca de uma época que “não é mais o conjunto das normas sociais herdadas do passado e da tradição (a cultura no sentido antropológico), nem mesmo o ‘pequeno mundo’ das artes e das letras (a alta cultura).
Para a jovem senhora que deseja também assimilar balizamentos que fortaleçam sua existencialidade diante dos questionamentos contemporâneos mais inquietantes – “O que será de mim?; O que o futuro me reserva?; Como posso dar meus primeiros passos em um mundo que parece cheio de discórdia e conflito?; Como faço para enfrentar as pressões do dia a dia?; Como posso encontrar paz em meio à confusão?; O que me permitiria estar no mundo, mas não pertencer ao mundo?; Como minha vida poderia ser útil e feliz?” –, indicaria uma leitura diferenciada, uma história iniciada na África, há mais de 50 mil anos, que congrega comerciantes, missionários, aventureiros e soldados que esculpiram a globalização século XXI. As antigas globalizações são analisadas, chegando o autor até à crise financeira de 2008, ainda não de todo superada. O autor do estudo é Nayan Chanda, o livro se chama Sem Fronteira, edição Record, 2011. Chanda nasceu na Índia, estudou História em Calcutá, doutorando-se posteriormente em Relaçõe Internacionais, na Sorbonne. Segundo a editora, “um livro dinâmico, recheado de fatos, anedotas e bravura”.
Para complementar os conhecimentos daquela mãe de adolescentes, recomendaria um trabalho da historiadora brasileira Mary Del Priore, pós-doutorada na École des Hautes Études em Sciences Sociales, Paris. Intitulado Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil, editora Planeta, Del Priori explicita a relação Corpo/Igreja/Pecado sem papas na pena, buscando interpretar as transformações acontecidas desde os tempos cabralinos até os nossos atuais dias, passando pelo século XIX, considerado uma século hipócrita, com exemplo maior advindo de Carlota Joaquina, que aqui desembarcou com volúpia raparigal desmesurada, como mostra uma carta da nora aos seus familiares austríacos: “Sua conduta é vergonhosa, e desgraçadamente já se percebem as consequências tristes nas suas filhas mais novas, que têm uma educação péssima e sabem aos dez anos tanto como as outras que são casadas”. Livro que se tornará, para uma mãe XXI, excelente vacina contra os moralistas e os puritanistas do atual pedaço brasileiro, onde ainda pontificam os que imaginam que sexo é coisa feia e homossexualismo é doença.
As indicações acima são intercomplementares: esclarecem, politizam e desabestalham. Favorecendo a ampliação das enxergâncias que mais historicamente educam.
(Publicada em 20/06/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves