PAPA FRANCISCO E O MENINO ARRETADO


Quando se comemorava o nascimento do Menino, depois de ter concluído com entusiasmo a leitura do livro de Marco Politi, um dos maiores especialistas da problemática vaticana a nível internacional – intitulado Francisco Entre os Lobos, Lisboa, Edições Texto & Grafia, 2014 -, deparei-me com mais um desassombro do papa, quando ele declarou que “a Igreja sofre de ‘esquizofrenia’ e ‘alzheimer espiritual’’’ em sua Mensagem de Natal. E denunciava, diante de cardeais, bispos e outros auxiliares, as “as 15 doenças graves que estão afetando a Cúria Romana”. São elas: 1. Sentir-se autossuficiente, não fazendo autocrítica, não se atualizando e não tentando melhorar”; 2. Trabalhar demais sem repouso; 3. Perder a sensibilidade que nos faz chorar com os que choram; 4. Limitar a liberdade do Espírito Santo devido ao excesso de planejamento; 5. Trabalhar sem coordenação, como uma orquestra que só produz ruído; 6. “Alzheimer espiritual”, que atinge os que se esqueceram de seu encontro com o Senhor; 7. Fazer da aparência e dos títulos o principal objetivo da vida; 8. “Esquizofrenia espiritual”, que muitas vezes afeta os que trocam o serviço pastoral pela burocracia; 9. Praticar o “terrorismo da fofoca”, falando pelas costas; 10. Cortejar os superiores e honrar pessoas que não Deus, esperando por sua benevolência; 11. Por ciúmes ou astúcia, ficar contente com a queda de alguém, em vez de ajudá-lo; 12. Ter um “rosto fúnebre”, muitas vezes sintoma de medo; o apóstolo deve transmitir alegria por onde passa; 13. Tentar preencher o vazio existencial do coração com bens materiais; 14. Formar “círculos fechados” que buscam ser mais fortes do que o todo; 15. Querer mostrar-se mais capaz do que os outros, por meio de calúnia e difamação”.

Nas comemorações do nascimento do Menino Muito Arretado, após a leitura dos males da Cúria denunciados por um papa que veio desconstruir a mediocridade vaticana dos últimos anos, fiquei com uma vontade danada de enviar alguns “recados” para o argentino. Alguns pitacos que talvez pudessem contribuir, ainda que minimamente, para um melhoramento de pessoas e instituições, num mundo tecnologizado que necessita ser cada vez menos culturalmente atoleimado. Ei-los:
a. Para quem anda de maré baixa, sem vontade nem pra dizer oi, encareço a leitura de dois poemas, um de Clarice Lispector (Mude!), outro de Pablo Neruda (Morte Lenta). Duas oportunas bofetadas naqueles azedumes que necessitam se alertar num ano novo.
b. Definição de André Weil que pode servir de despertador para pais e avós desatentos: “Um ser humano de primeira categoria cerca-se de pessoas tão boas ou melhores do que ele. Um ser humano de segunda categoria cerca-se de pessoas de segunda categoria. Um ser humano de terceira categoria cerca-se de pessoas de quinta categoria”. Que os novos ministros e governadores, Congresso Nacional e Assembleias Legislativas se apercebam desse ensinamento precioso, evitando a ampliação das mediocridades e desvios financeiros.
c. Àqueles que se imaginam coitadinhos e que encasquetaram o princípio mórbido de que devem sofrer bem muito por aqui para ganhar a Eternidade, o pensar de Fernando Pessoa: “Frutos, dão-os as árvores que vivem, não a iludida mente que só se orna das flores lívidas do íntimo abismo”.
d. Para os que desejam minorar a necessidade dos excluídos, seria bom não atirar pérolas aos porcos, conforme dizer bíblico. É muito dignificante a solidariedade prestada aos menos favorecidos, se as contribuições forem encaminhadas a instituições de comprovada idoneidade. Citaria, na área cristã, a paróquia do Edwaldo Gomes, Casa Forte, um padre gota serena de sério. E o Abrigo Cristo Redentor, muito bem administrado.
e. Para as mentes que detestam reaprender para melhor apreender um Brasil que se agiganta, a explicação de Guimarães Rosa, com muita clarividência: “Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente – o que produz os ventos.”
f. Nas incontáveis instituições de ensino superior, com suas agressividades mercadológicas a preocupar educadores e não-comerciantes, que seja apregoado aos quatro ventos que ninguém ensina sucesso, posto que a chave para vencer está na maneira particular de cada um pensar. Galileu Galilei, o quase linchado pela Inquisição, já proclamava que “não se pode ensinar nada a um homem, só é possível ajudá-lo a encontrar a coisa dentro de si”.
g. O consultor Max Gehringer, entregador de leite na infância e presidente da Pepsi-Cola Engarrafadora na maturidade, hoje dedicado a seus livros e palestras, jamais abandonou sua criticidade e seu bom humor. Num dos seus livros, ele declara que “se a fartura do rico não o deixa dormir, ele está acumulando, ao mesmo tempo, sua riqueza e sua desgraça”. E diz a fonte de tanta sabedoria: o Eclesiaste, livro do Antigo Testamento escrito há 2.300 anos, muito antes dos assaltos praticados na Petrobrás.
h. O incremento da criminalidade em São Paulo é fato que extrapola os gabinetes decisórios. Urge um sentar coletivo, sem floreteadas, para um planejamento de curto e médio prazos, a envolver capacitação inteligente, dignidade salarial, articulação setorial, desenvolvimento comunitário sem eleitoralismos, integração pra valer e separação do joio do trigo, sem corporativismos cavilosos nem arrotos de mentirinha.

Em 2015, entendamos cada vez mais a missão evangelizadora do papa Francisco, analisando a mensagem do Menino Arretado a partir de conclusões racionalmente criativas, prevenindo os menos escolarizados das estratégias que usam a ridicularização e a zombaria para rotular pessoas de fé, classificando-as de anti-intelectuais ou irracionais. Tais estratégias não vingarão em pessoas espiritualmente apetrechadas, salvo se contaminadas pelos males apontados pelo papa Francisco.

(Publicado em 19.01.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com
Fernando Antônio Gonçalves