OVO NÃO DESTRUÍDO


Em meados de 2012, aproveitando últimas férias, às vésperas da “expulsória”, li um livro que era nitroglicerina pura: A Ascensão do Quarto Reich – As Sociedades Secretas que Ameaçam Tomar Conta da América, Jim Marrs, Vila Nova de Gaia (Portugal), Editora Lux-Citania, 2010. Uma leitura que me impressionou bastante, dadas as atuais circunstâncias históricas dos quatro cantos do mundo.

Natural de Fort Worth, Texas, USA, Marrs trabalhou durante muitos anos nos serviços militares de inteligência, tornando-se escritor free-lancer desde 1980. Na contracapa, uma explicação: “Neste livro, Mars explora a hipótese assustadoramente real de que uma ideologia pérfida, que se pensava ter sido derrotada há mais de meio século, está na verdade a prosperar. No fim da Segunda Guerra Mundial, os oficiais Nazis, juntamente com os seus fanáticos , usaram o saque da Europa para criar grandes empresas de fachada em muitos países. … Baseada na premissa autoritária de que o fim justifica os meios – o que inclui guerras sem provocação, agressões e limitação das liberdades individuais”.

Segundo Marrs, o Nacional Socialismo nunca morreu. Renasceu e está prestes a tomar posse. Quem previu foi o próprio Hitler, claramente: “O sacrifício dos meus soldados e a minha união com eles até à morte, irá surgir na história da Alemanha como a semente de um radiante renascimento do movimento Nacional Socialista , assim, como a concretização de uma verdadeira comunidade de nações”.

O aparente exagero apocalíptico do livro de Marrs desaparece quase por inteiro, quando se lê dois livros do historiador britânico Mark Mazower, os três radicalmente intercomplementares. O primeiro, editado no Brasil pela Companhia das Letras em 2001, intitula-se Continente Sombrio – A Europa no Século XX, onde o autor demonstra que a escalada genocida de Hitler chegou mais perto do sucesso do que gostamos atualmente de admitir, “enquanto a herança estalinista na Rússia e no Leste europeu ruiu muito mais por seus próprios vícios e inconsistências do que pelo triunfo dos ideais democráticos.”

O autor ainda esmiúça o enorme sucesso popular alcançado pelo nazi-fascismo, integralmente contaminado pelos excessos hitleristas: campos de extermínio, uso extensivo da escravidão, guerra total. E Mazower adverte: “O ovo da serpente pode não ter sido totalmente esmagado em solo europeu, a julgar pela inoperância das organizações europeias diante do conflito na Iugoslávia. Nem o fim da Guerra Fria extinguiu o velho hábito europeu de lançar a culpa por suas mazelas sobre americanos e russo e esperar deles as eventuais soluções”.

O segundo livro de Mark Mazower foi editado pela Companhia das Letras em 2013: O Império de Hitler – A Europa sob o Domínio Nazista, 802 p., classificado pelo The New York Times como “o melhor estudo da rápida expansão e violenta queda do domínio nazista na Europa”. Nele, o autor analisa o sucesso avassalador da campanha alemã sobre a Europa ocidental, ganhando o III Reich ares de invencibilidade, havendo o exército alemão feito mais de 2 milhões de prisioneiros russos, a decadência acontecendo graças a estrutura pouco ortodoxa, quando não bizarra por derradeiro, da própria ocupação, sem contar com um planejamento adequado, que proporcionou gigantescos erros de cálculo, incapacitando as forças nazistas de antever as imensas dificuldades na sua missão “germanizadora”. O III Reich, por consequência, foi responsável por uma Europa dilacerada e decadente, a exemplo de Hans Frank, governador geral da Polônia invadida, estabelecido em Cracóvia, que se comportava nababescamente como um príncipe renascentista, a ponto de escrever um diário em quarenta volumes, que lhe custou a própria vida.

No segundo livro de Mazower, um depoimento do tenente-general Ferdinand Heim, em maio de 1945, para outros prisioneiros de guerra: “Poderíamos ter vencido a guerra, ainda que nenhum erro militar fosse cometido? Minha opinião é: não. De 1941 em diante, e até o fim, ela já estava tão perdida quanto a Primeira Guerra Mundial, pois os objetivos políticos não guardavam absolutamente nenhuma relação com as possibilidades militares e econômicas da Alemanha. A única coisa que o peculiar método de lutar uma guerra de Hitler trouxe à Alemanha foram milhões de pessoas mortas. Apenas isso – era impossível vencer a guerra. Eis a coisa mais notável, na qual penso o tempo todo: por que um país como a Alemanha, que está no centro do continente, não fez da política uma arte, com o objetivo de manter a paz, uma paz razoável (…) Fomos insensatos e tolos a ponto de imaginar que podíamos desafiar o mundo (…) Sem perceber que isso é rigorosamente impossível nas condições em que nos encontrávamos na Alemanha. Que motivos nos levaram a isso? (…) Eu não sou político, não sou historiador. Não sei. Só sei a pergunta.”

No livro de Mark Mazower, a trajetória do boçal Hans Frank pode servir ainda hoje de exemplo para muitos dirigentes públicos que proclamam sua jamais-queda à beira dos abismos, imaginando-se invencível, arrotando grandezas quando no exterior, imaginando idioticamente que ainda estamos vivenciando as primeiras experiências de Graham Bell, sem internet nem telecomunicações. Só com uma mandioca na mão.

(Publicado em 20.07.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves