OUTROS AMANHÃS PARA A CLASSE MÉDIA


O nível abestalhacional de grande parte da classe média, ironicamente denominada de “classe me(r)dia” por alguns gaiatos da mídia brasileira, urge ser radicalmente reduzida nos próximos tempos nacionais, quando a área educacional deverá sofrer uma reestruturação sistêmica de grande porte, tornando-se qualitativamente muito mais acima das atuais merdices instrucionais, públicas e particulares, que apenas desejam obter ganhos por cima de paus e pedras, independentemente de sonhos e aspirações dos educandos de áreas financeiramente mais sofríveis.

O fato aconteceu há alguns anos, mas vale a pena reproduzi-lo uma vez mais num site que mantém um nível intelectual de visitações elevado, conscientizador por derradeiro. O fato abaixo narrado é por demais representativo para o momento atual , onde um desabestalhamento se faz indispensável em todos os setores, num Brasil que se deseja passado a limpo com todos os erres e effes, muitos falantes postos atrás das grades , sem lero-lero nem mas-mas-mas, tornando-se a nação mais dignificante pelos quadrantes do planeta, para orgulho dos seus filhos de todas as classes sociais, etnias, gêneros e afetividades sexuais, civis, militares e demais situações.

Um endinheirado nordestino classe mais que média-média , fantasiado de empreendedor XXI, resolveu observar o milagre japonês no seu endereço de origem, bem ali do outro lado do mundo. Comprou passagem ida-e-volta, conseguiu a companhia de um alguém que arranhava bem um inglês quebra-galho e partiu lampeiro que só para conhecer o berço do sol.

Após os desembaraços alfandegários, anunciou seu maior desejo: conhecer, no Japão antigo, um Mestre Zen, desses tidos e havidos como um danado-de-ótimo na sabedoria. E foi ele parar num dos mosteiros existentes, obstinado e pretensioso que só vendo.

Encontrar um convento antigo foi quase um já. E um Mestre Zen à sua inteira disposição foi cortesia nipônica de primeira hora. Apresentado, as inevitáveis perguntas, argumentações lógicas à parte, não tardaram.

De repente, o Mestre Zen, já sem os bagos bem acomodados, resolveu também questionar: “Você sabe muitas coisas, não sabe?”. A petulância veio de bate-pronto: “Percebe-se , Mestre?”.

Sorriso sibilino, todo já análise feita, o Mestre retornou: “Estou disposto a lhe testar, o amigo concorda?”. Peito estufado, sem pestanejar, bagos inflados, externou um “Como não, caríssimo Mestre” enxeridíssimo e sem qualquer reticência. E com um acréscimo desafiador: “Pode perguntar o que quiser”.

O diálogo foi mais ou menos assim, como me contaram :
– “O amigo sabe onde está neste momento?”
– “Claro que sei, Mestre. Estamos num lindo bosque”.
– “E onde está este bosque?”
– “Ora, caro Mestre. No Japão”.
– “E onde está o Japão?”
– “No nosso planeta Terra, Mestre, com certeza”.
– “E onde está o nosso planeta?”.
– “Ora, Mestre …No Universo!”.
– “E onde está o Universo, caríssimo brasileiro?”.

O embatucamento foi pra ninguém botar defeito. O suor principiava a correr sovaco abaixo. Mas a resposta não tardou: “Na verdade, caríssimo Mestre, eu realmente não sei”. A ponderação severa, a penúltima, aconteceu: “Veja só, o amigo nem sabe onde está e acha que já sabe muito. O amigo ainda tem muito que aprender, com certeza”.

Emputecidíssimo, o “notável” rebateu sem mais as conveniências de um bom relacionamento: ” Qualé, Mestre, até mesmo o senhor não sabe a resposta correta, né não?”

O xeque-mate até hoje não se desinstalou da abestada cuca: ” Pois esta é a nossa diferença , amigo caríssimo. Minha ignorância é baseada em meu entendimento, enquanto o seu entendimento é baseado em sua ignorância. Sou um tolo bem humorado, você é um sério idiota”.

A posição da parte da classe média brasileira será decisiva para os destinos nacionais, às vésperas de um ainda pouco definido final de década. Lamentavelmente, nos últimos vinte anos, a classe media brasileira tem estado acorrentada a duas visões equivocadas. A primeira, quando defende os imensos privilégios de um sofisticadíssimo consumo, como se ele fosse viável para o todo nacional. A segunda, mais ingênua ainda, é a de exigir sacrifício dos privilegiados de sempre, como se eles estivessem dispostos a desprendimentos.

Uma modernidade sadia deve reincorporar as inúmeras vantagens das relações perdidas, dos gostos esquecidos, dos níveis culturais despedaçados por um consumismo imediato e asneirento pelos endinheirados de final-de-semana, culturalmente apatetados, presas fáceis dos “magos da mente”, inúmeros já explicitando um cansaço generalizado, incomodativo até, rima perfeita para atocaiados fascistóides.

Deveria uma atenta classe média estar sempre alertada diante do notável provérbio iídiche: “Para o verme num rabanete, o mundo inteiro é um rabanete”.

(Divulgado em 05.09.2016, nos sites www.luizberto.com e www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves