OS DESIGREJADOS
Outro dia, a expressão “desigrejado” me fez listar uma série de pessoas que conheço: cultas, lidas, inteligentes, caridosas, consciente de seus papéis na sociedade, exemplares. Mas que não mais suportam bolorentas liturgias e homilias rabugentas, que afugentam e desabonam profundamente a Mensagem do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, que O torna “pequeno, limitado, irrelevante, perverso e às vezes não muito inteligente”, usando expressão de um dos maiores conferencistas do mundo contemporâneo, classificado, em 2011, como uma das pessoas mais influentes do mundo crente contemporâneo.
O parágrafo acima me fez lembrar um ECC – Encontro de Casais com Cristo realizado numa cidade importante do Nordeste, há mais ou menos uma década. Findo o encontro, festinha de congraçamento familiar encerrada, convidados retirados, hora de dormir, eis que o marido, muito amorosamente, se deita ao lado da esposa, luz já apagada, abraça-a carinhosamente, buscando tocar um dos seus seios. A mulher pula da cama, acende a luz, olha o consorte com raiva de cadela doida, gritando alto e bom som: – Afasta-te de mim, satanás!!!!!
O coitado desmontou-se todo, o Dr. Pinto dele quase perde o mecanismo hasteador, seu proprietário tornando-se mais um desigrejado, o casamento desmilinguindo-se integralmente em menos de seis meses, por ausência de retorno da tesão conjugal da parte da cara metade, que fechou suas pernas em definitivo, sem mas nem meio mas, convertida dos pés à cabeça, de porteira fechada e todo o resto sem mais uso.
Recomendo um livro que muito me energizou espiritualmente, sem faniquitismos nem chilicosidades teatrais típicas dos emocionalmente desestruturados: Quem é Deus, afinal?, do pastor Rob Bell, editora Sextante. Um pastor–fundador da Mars Hill Bible Church, em Grand Rapids, Michigan, conferencista pelos quarto cantos do mundo, que a partir de três conceitos desenvolveu novas formas de pensar em Deus, vivenciando-O no dia-a-dia pessoal e profissional. O primeiro identifica Deus como “a energia, o poder e a fonte de tudo que sabemos ser a essência da vida”. O segundo se traduz num parâmetro inovador: “Deus é por todos nós, independentemente de crenças, pontos de vista, ações, falhas, erros, pecados ou opiniões”, sempre identificando as doutrinas que mostram Ele mal-humorado e vingativo, que tornam infelizes e estressadas aqueles que acabam acreditando que Deus é realmente assim. O terceiro conceito é o mais tocante: que quando se fala de Deus, não se está referindo a um ser divino que ficou ultrapassado, “que tenta nos arrastar de volta para uma era primitiva, pré-científica, que não está focado no atraso, não se opõe à razão, à liberdade nem ao progresso”.
O autor explica a razão de ter escrito o livro: “Estamos no meio de um movimento que vem ganhando impulso: há uma sensação crescente de que estamos no fim de uma era e no começo de outra, num momento em que o nosso velho modo de compreender e de falar sobre Deus está morrendo enquanto algo está sendo gestado”.
O pastor Rob Bell testemunha algumas falas idióticas, em assembleias repletas de pessoas que se imaginam século XXI, não percebendo que vivenciam tribalidades, vivenciando passados, jamais dando exemplo cristão no mundo de hoje: 1. Importante líder cristão afirmou que as mulheres não deveriam ensinar nem liderar na igreja; 2. Pregador homofóbico proclamando que todo gay vai parar no inferno; 3. Famoso jornalista ouvindo de dois pastores cujas esposas se encontravam desencantadas, acreditando que “acreditar e confiar naquele Deus parece ser um passo atrás, em direção ao passado, a uma época menor informada e menos iluminada que felizmente já abandonamos.
No seu livro, Rob faz uma confissão: num Domingo de Páscoa, para ele bastante traumática, ele descobriu que sem muita reflexão e estudo não se pode continuar a ser pregador sem perder a sanidade. Solução: mergulhar de cabeça nas questões principais, para descobrir a profundidade daquela “piscina”, de consciência limpa e integridade intacta, sem ganâncias financeiras, buscando respostas a partir de questionamentos sobre absolutamente tudo. E adverte: “este livro não é uma tentativa de provar que Deus existe”.
Diante da fala de um pastor alienado, meramente fundamentalista sem qualquer espírito crítico – “Se alguém negar que Deus criou o mundo em seis dias, estará negando também o respeito da Bíblia, porque o que a ciência diz não interessa” – Rob Bell afirma sem qualquer heresia: “Neste momento, a extremidade do universo está aproximadamente a 90 bilhões de trilhões de milhas de distância. E o sistema solar em que vivemos, que ocupa menos de um trilionésimo do espaço conhecido, se move a 898 mil quilômetros por hora. E faz parte da galáxia Via Láctea, que leva entre 200 e 250 milhões de anos para percorrer a órbita da sua galáxia uma vez”.
A leitura do livro é imprópria para quem acredita em Papai Noel, perna cabeluda e comadre Fulozinha. Mas para quem tem consciência de ser um ator e também autor da História, de uma explosão ocorrida há aproximadamente quase 14 bilhões de anos, 13 bilhões e 700 milhões de anos para ser mais exato, o trabalho de Rod Bell merece uma leitura bem refletida, rabiscada e introjetada em mentes sadias em prol de um mundo mais fraterno e justo. Com nula hipocrisia e fingimento zero. Palestinos e israelenses, irmãos em paz.
(Publicada em 01.09.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves