OPUS DEI, SEMPRE OVELHA?
Sobre a Opus Dei, “instituição das mais conservadoras da Igreja Católica”, segundo um dos seus admiradores brasileiros, fundada pelo hoje apressadamente canonizado Josemaria Escrivá e prelazia pessoal do papa, indaga-me irmão caminhante se ela pode ser considerada seita. Sempre buscando esclarecer amigos e conhecidos, pesquiswi definição de seita no dicionário Antônio Houaiss que consulto diariamente, tirando dúvidas para melhorar estilos, pareceres, artigos, relatórios e reflexões. E eis que o consagrado dicionário define seita como “grupo de indivíduos partidários de uma mesma causa; partido, bando, facção”. Como os essênios, seita do judaísmo, entre os séculos II a.C. e I d.C., à qual poderiam ter pertencido Jesus e seus apóstolos, para alguns sendo o núcleo sementeiro do cristianismo. O notável Will Durant menciona centenas de seitas e variações do cristianismo nos seus três primeiros séculos.
Segundo analistas consagrados, “a seita, como muitas outras que grassaram entre os judeus na mesma época, surgiu como uma reação ao caos político, social e religioso que dominou a Judeia durante os períodos de dominação helênica e romana”. E a conclusão que apresentei ao amigo foi sólida: a Opus Dei é um dos grupos de direita que busca ampliar o seu empoderamento nas diferenciadas áreas vaticanas, certamente confiante num milagre do seu fundador, hoje santo devidamente certificado. Um grupo que busca apresentar de um modo tridentino a mensagem do Homão da Galileia, por quem sou apaixonado e humilde pecador, sem petensões à santidade. Nem à hipocrisia.
Os jornalistas especializados Mariana Sgarioni e Maurício Manuel revelam que a Opus Dei é acusada de ultraconservadora, totalitária e conspiradora. E dizem mais: “pelo menos duas horas por dia, você tem de amarrar um cilício na coxa – espécie de instrumento de tortura com pontas metálicas que machucam a pele. Quanto maior for o seu desconforto, melhor: isso significa que a instituição está exercendo mais controle sobre você. Se doer demais, tudo bem, você poderá trocar de coxa na próxima vez. O importante é que a experiência não passe em branco. Tem de machucar, deixar marcas. Caso contrário, não faz efeito”. E vão adiante: “Se tudo isso já parece um pesadelo, saiba que ainda não acabou. Uma vez por semana, você terá também de golpear suas nádegas ou suas costas com um chicote. E ainda passará pelo que é chamado de ‘sinceridade selvagem’: contar aos seus superiores cada pensamento que passa pela sua cabeça, principalmente aqueles segredos mais íntimos, sobre os quais não se comenta nem no banheiro, de porta fechada e luz apagada. Se você não revelar tudo, mas tudinho mesmo, estará mantendo um ‘segredo com Satanás’”.
A organização chegou ao Brasil na década de 1950. Instalou-se inicialmente em Marília, no interior de São Paulo, e de lá acabou migrando para a capital, onde hoje mantém centros nos bairros do Pacaembu, de Vila Mariana, de Pinheiros e do Itaim, entre outros. Está presente também nas cidades de Campinas (SP), São José dos Campos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Londrina (PR) e Porto Alegre (RS). Entre numerários, supernumerários e sacerdotes, estima-se que o Opus tenha, no Brasil, quase dois mil integrantes.
Apesar de atuar em 64 países, o Opus continua sendo fundamentalmente espanhol. Na Espanha estão concentrados mais de 40% de seus membros. Outros 35% estão na América Latina. A organização também tem seus pés muito bem fincados na África e na Ásia. Atualmente, o objetivo primacial é a conquista dos ex-países comunistas do Leste Europeu.
Os jornalista acima citados ainda informam que alguns detratores do Opus Dei chegam a chamá-lo de “máfia santa”. Outros o acusam de ser “uma Igreja dentro da Igreja”, com poderes excepcionais e muito dinheiro sendo colocado a serviço de um conservadorismo idade média. Em parte, essa fama se deve às estreitas relações que a organização cultivou com o regime fascista do ditador espanhol Francisco Franco, de 1939 a 1975. Josemaría Escrivá, o próprio, ouvia as confissões do “generalíssimo”, como Franco era conhecido, e muitos integrantes ou colaboradores do Opus Dei foram nomeados ministros de Estado enquanto durou a ditadura espanhola.
Entre os livros totalmente proibidos pelo Opus Dei estão O Capital (Marx), Além do Bem e do Mal (Nietzsche), Cândido (Voltaire), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (Saramago), O Diário de um Mago (Paulo Coelho), Presente de um Poeta (Neruda), Ulisses (James Joyce), Madame Bovary (Flaubert) e Em Busca do Tempo Perdido (Proust), entre outros.
Aguardemos os tempos futuros, sob o comando de um soldado da Companhia de Jesus, de nome Francisco, ainda ensaiando seus primeiros passos na muito pouco evangélica burocracia vaticana.
(Publicada em 06.05.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves