OPERAÇÃO CONDOR, A VERDADE


Na Livraria Cultura, em companhia de dois companheiros de militância sem-ódio-e-sem-medo, fui despertado para o livro A Comissão Nacional da Verdade e a Operação Condor, de autoria do escritor Antônio Campos, presidente do IMA – Instituto Miguel Arraes, com sede na cidade do Recife. Com um CD incluso, trazendo o depoimento do ex-governador sobre a Operação Condor, uma das mais vexaminosas violações dos direitos humanos praticadas no Brasil, tudo possuindo conexões internacionais, com vítimas e algozes que devem ser apontados às autoridades judiciárias latino-americanas, fortalecendo a cidadania de todos, inclusive a brasileira, cuja Comissão da Verdade foi a última a ser instituída pelos países latino-americanos instituidores, como também foi, pecado que carregaremos ao longo da história pátria, a última nação do mundo a erradicar a escravidão.

O livro reproduz petição enviada pelo IMA ao presidente da Comissão Nacional da Verdade, solicitando abertura de investigação para “declarar a existência da Operação Condor no Brasil, examinando e esclarecendo as graves violações aos direitos humanos praticadas em seu seio, a sua extensão e conexões internacionais, vítimas e algozes”. O depoimento do ex-governador Arraes é parâmetro indicativo de qualidade ímpar: “[…] Os três nomes mais importantes da Frente eram justamente os líderes mais destacados dos três maiores partidos extintos pelo golpe de 1964. Eras eles, respectivamente, além de Juscelino, pelo PSD, João Goulart pelo PTB e Carlos Lacerda pela UDN. Entre os fatos mais notáveis da história recente do Brasil está a morte desses três líderes, em curto espaço de tempo, quando começava a delinear-se a abertura política do regime. Desapareceram, muito convenientemente para o regime de arbítrio, as três maiores alternativas de poder, posto que, em casos de eleições diretas, com certeza um dos três teria sido eleito presidente da república. […]”

Os fatos sequencialmente acontecidos revelam uma criminosa urdidura, ainda hoje caixa-preta mantida a sete chaves pelos gabinetes oficiais dos países envolvidos. E por oficiais e civis pensantes e executantes de ações vis não devidamente esclarecidas que ainda estão enodadas do sangue de milhares de assassinados e torturados, onde “o Brasil foi o fiador da Condor, porque a Operação não poderia ter existido sem a vontade política do País hegemônico da região”, segundo pensar de Eduardo Duhalde, Secretário de Direitos Humanos da Argentina.

O livro do Antônio Campos destaca um entrelaçamento criminosamente planejado: 28/09/1975 – ofício confidencial do general Manuel Contreras, chefe do DINA (serviço secreto chileno) ao general João Baptista Figueiredo, então chefe do SNI (serviço secreto brasileiro) informando alterações na política externa norte-americana e citando nominalmente Orlando Letelier, ex-ministro de Allende, e Juscelino Kubistchek, ex-presidente do Brasil, como lideranças que poderiam criar problemas às ditaduras da região; 22/08/1976 – morre Juscelino Kubistchek num acidente de carro, até hoje sem nítidos esclarecimentos; 21/09/1976 – morre Orlando Leteliar, em Washington, quando uma bomba explodiu em seu carro, atentado apurado pela polícia estadunidense, que culpou a DINA e Contreras, atualmente cumprindo pena de prisão perpétua no Chile; 06/12/1976 – morre o ex-presidente João Goulart, na Argentina, próximo à fronteira do Rio Grande do Sul, onde medicamentos habituais dele, cardiopata, teriam sido adulterados; 21/05/1977 – morre Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara, coordenador da Frente Ampla, talvez precipitada por medicamento injetado no soro hospitalar.

Na Folha de São Paulo, citada no livro, dia 11/12/2011, se encontra artigo de Santiago A. Canton, Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde ele explicita que “a impunidade corrói a sociedade como um todo e constrói sociedades injustas, desiguais, discriminatórias, em que o ideal de progresso e igualdade é superado por estruturas de poder formais e informais que protegem e beneficiam os setores mais favorecidos e prejudicam os mais vulneráveis.”

A leitura de A Comissão Nacional da Verdade e a Operação Condor, revigora ânimos e amplia esperanças. E incentiva o envio de notas e informações para o Observatório Operação Condor na América Latina, criado no site do Instituto Miguel Arraes, contribuindo, assim, para que a reflexão do escritor Afonso Romano de Sant’Anna se torne mais rapidamente em comprovação histórica: “A natureza, como a história, segrega memória e vida e cedo ou tarde desova a verdade sobre a aurora. Não há cova funda que sepulte a rasa covardia. Não há túmulo que oculte os frutos da rebeldia. Cai um dia em desgraça a mais torpe ditadura quando os vivos saem à praça ‘e os mortos da sepultura’”.

O bispo anglicano Desmond Tutu está pleno de razão histórica evangelizadora: “A verdade cura. Às vezes ela arde, mas cura”. E liberta, como proclamava João, que era o mais amado pelo Homão da Galileia.

(Publicada em 06/08/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves