OITENTÃO GUERREIRO
Costumo repetir o que proclama João Silvino da Conceição: – Existem três tipos de dignatários nas confissões episcopais, os bispos, os bispinhos e os bispões. Os primeiros cumprem suas funções corriqueiramente, os segundos se apequenam por ausência de vocação pastoral, adeptos que são, no mau sentido, do nadismo, enquanto os terceiros, gigantes por formação, fé e liderança, representam o ideário cristão mais legitimado pela mensagem do Homão da Galiléia.
Possuo profunda admiração por lideranças religiosas que reestruturam comportamentos individuais e coletivos, favorecendo a dignificação de povos e nações. O arcebispo Dom Hélder Câmara, o sempre amado Dom, é o meu estandarte maior, todo mundo sabe disso. Ele, com outros notáveis do seu porte, soube promover, no continente latinoamericano, uma consciência cidadã cristã e uma sensação de envolvimento bem compromissado com a dignidade dos seres humanos. Sempre possuidor de uma sensibilidade evangelizadora capaz de bem compreender a lição do poeta: “Conta teu jardim pelas flores, nunca pelas folhas que caem; conta teus dias pelas horas douradas, esquecendo por completo as nuvens; conta tuas noites pelas estrelas, nunca pelas sombras; conta tua vida pelos sorrisos, jamais pelas lágrimas derramadas; e, alegremente, com o correr do tempo, conta tua idade pelos feitos, jamais pelos anos já vividos”. Denunciando quando preciso, sem perder a ternura jamais.
Se me perguntassem qual seria a minha segunda maior admiração episcopal, sem pestanejar elegeria um oitentão guerreiro, que há mais de quarenta anos se fixou no extremo norte do Mato Grosso: Dom Pedro Casaldáliga, uma das figuras exponenciais da Teologia da Libertação, hoje bispo emérito de São Félix do Araguaia. Que apesar das limitações do locomover e do falar provocadas pelo Mal de Parkinson, não dá sinais de cansaço nem de pessimismo, sempre defendendo a Esperança, segundo ele o DNA mais profundo da gente brasileira.
Em dezembro passado, ele deu uma entrevista à revista Forum, revelando defesa da reforma agrária e das causas indígenas. Por suas posições sociais, por duas vezes foi convocado pelo então chefe da Congregação da Doutrina da Fé, antiga Santa Inquisição, atualmente papa Bento XVI, face acusações que lá chegaram, afirmando ser ele um perigoso marxista. Nas suas explicações esclarecedoras, Casaldáliga declarou que foi Karl Marx quem melhor falou sobre a pobreza e sobre as mazelas do capitalismo. E disse ainda que o Brasil continuaria uma sociedade arcaica enquanto houvesse proteção ao latifúndio. Avaliando o governo Lula, Dom Pedro acredita que ele poderia ter feito mais pela distribuição de terra, não avançando diante das concessões e alianças da governabilidade.
Antenado sempre, mundial e localmente, Dom Pedro enfatiza que não se pode ficar alheio para os problemas do bairro – água, saúde, escola, saneamento – diante das preocupações com os problemas da África. E não titubeia: “para que a minha esperança seja crível, preciso agir, esperar e fazer, criar e acolher. Porque a esperança cristã é comprometida, tornando-se pecados sociais as passividades e as acomodações”.
Feliz do ser humano, como Dom Pedro Casaldáliga, que sabendo usufruir de muito bom humor, torpedeia hipócritas, falsos moralistas, bajuladores e trolhas, afugentando maus olhados, ficando em paz com o seu interior sempre grávido de autêntica simplicidade, as simploriedades passando ao largo, sem qualquer bem-aventurança. E mais feliz ainda é quem priva da amizade de um talento episcopal raríssimo como ele, posto que, vacinados, também discípulos se tornam, perenizando-se na arte de continuar a semear oxigenadores contentamentos, através dos mais variados modos de evangelizar sem fricotagens.
Eu agradeço ao Pai ter podido, um dia, abraçar, em Camaragibe, município da Região Metropolitana do Recife, um bispão chamado Pedro Casaldáliga!