ÓDIO À DEMOCRACIA


Diz o pensador Renato Janine Ribeiro que o Brasil, nos últimos anos, “se tornou um exemplo de inclusão social, com dezenas de milhões de pessoas saindo da pobreza e da miséria para terem um vida melhor. Em que pese a inclusão ter ocorrido sobretudo pelo consumo – mais que pela educação -, ela mudou o país”. Entretanto, segundo ainda Janine, “um número expressivo de membros da classe média desqualifica os programas de inclusão social, alegando diversos pretextos. Para eles, o Brasil era bom quando pertencia a poucos. Assim, quando os polloi – a multidão – ocupam os espaços antes reservados às pessoas de ‘boa aparência’, uma gritaria se alastra em sinal de protesto”. Tais reflexões estão contidas nas orelhas do livro Ódio à Democracia, de Jacques Ranciére, Boitempo, 2014, para quem o The Guardian emitiu a seguinte opinião: “Este delicioso ensaio sardônico – que emite ironia zombeteira – é um giro erudito pela história da filosofia política e, ao mesmo tempo, um agradabilíssimo jorro de insultos dirigidos a pensadores rivais”. No livro acima, um capítulo, o primeiro, intitulado Da Democracia Vitoriosa à Democracia Criminosa, merece ser lentamente lido e refletido por gregos e troianos, que buscam entender a diferença entre democracia participativa e populismo argentinizado. O primeiro promovendo um desenvolvimento social revestido de ampla integração comunitária. O outro, sem consistência paramétrica, navega, embora nem sempre sendo preciso.

Também muito recomendável a leitura de uma tese econômica de Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, sendo editor de investimento do Portal InfoMoney, também tendo exercido as funções de professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, onde tornou-se também Mestre em Finanças. Intitulada O Fim do Brasil: a crise da economia, os bastidores da censura, a proteção do seu patrimônio, Escrituras Editora, 2014, traz um prefácio de William “Bill” Bonner, homônimo daquele “moço de recado” global, um empreendedor americano, fundador e presidente da Agora Inc., prêmio Empresário do Ano de 1997, concedido pela NASDAQ, em 2010 laureado com o prêmio Homem do Ano, pela Washington Educational Foundation. Segundo ele, “com o Plano Real, a economia se estabilizou e progrediu rapidamente, em 2010 o PIB registrando um crescimento de 7,5%, dois anos depois caindo para 0,99%”. E ele conclui: “Felipe Miranda revela os enganos, as vaidades e os equívocos que têm atormentado sistemas econômicos ao redor do mundo, por muitas gerações. Ele explora as últimas contribuições do Brasil para a mítica e volumosa ‘História da Calamidade Econômica’ e destaca as singularidades brasileiras para o gênero”.

No livro do Miranda, três capítulos devem ser lidos, relidos e refletidos, sem qualquer demérito para os demais: A destruição da Petrobrás, O desarranjo do setor elétrico e Como proteger seu patrimônio. No primeiro são apontadas três falhas graves facilmente observadas nas gestões Sérgio Gabrielli (2005-2012) e Graça Foster: a. A Petrobrás não seguiu procedimentos de gestão compatíveis com o mercado, sequer condizentes com uma economia de mercado, com a estatal queimando caixas em 85% do período nos últimos seis anos e meio, desde a crise norte-americana; b. Faltou à Petrobras o padrão internacional de transparência, com seu Conselho de Administração impondo à companhia uma política de prejuízos consentidos, a ponto de, no primeiro trimestre de 2014, Mauro Cunha, líder dos acionistas minoritários representar junto à CVM, exigindo que a empresa tornasse pública sua decisão de não aprovar as demonstrações financeiras da empresa; c. desvio de conduta em relação à defesa dos principais públicos de interesse da empresa. Resultado: a Petrobras sofreu um atraso de mais de oito anos como resultado da sua política de gestão.

No tocante ao desarranjo do setor elétrico, de acordo com o diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, “entre 2013 e 2018, dos 20 mil Mega/Watts de capacidade hídrica que deve entrar em operação no sistema, apenas 200 MW (1% das usinas) têm reservatórios. A capacidade de armazenamento das hidrelétricas caiu d 6,3 meses para 4,7 meses nos últimos 10 anos, e pode cair para 3,8 meses em 2018. Com isso, no patamar atual, o país deve chegar ao período úmido, que costuma ter mais chuva, com 18% de energia acumulada, quando o ideal deveria estar em torno de 43%.”

No relacionado à proteção do patrimônio, Miranda é por demais sagaz: “A história ensina que, em qualquer episódio drástico de deterioração econômica, a maior parte da população acaba arrastada pelo tsumani que parecia marolinha”. E toda crise não emerge repentinamente. Durante seu crescimento, alguns economistas independentes costumam alertar: “Existe muita inflação oculta!!”, O déficit das contas públicas está sendo maquiado”, “Não há como o Banco Central vender dólares para sempre!”, etc, etc, ninguém dando bolas, pois parece papo chato de economista da oposição. Somente percebendo quando as coisas vão apertando no bolso, apontando os verdadeiros culpados. Mas talvez já seja tarde demais e o ano de 2015 está seriamente comprometido, embora já existindo pronunciamentos idióticos anunciando candidaturas presidenciais para 2018. Como querendo dizer: “Vou deixar ela se estrepar, para aparecer como salvador da Pátria”. Em outras palavras: um Sassá Mutema de um enredo noveleiro quase profético.

Do outro lado da rua, a turma da Mônica, também já em campanha, repetindo José Saramago: ”As verdades únicas não existem; as verdades são múltiplas, só a mentira é global”.
PS. Um presidente de uma estatal – tipo Transpetro – não pode ficar indefinidamente no poder. Uma reeleição de mandato de dois anos seria mais que o suficiente, com uma Assembleia Geral sempre atentas às possíveis maracutaias advindas de uma incontida ânsia de enriquecimentos ilícitos.

(Publicado em 17.11.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves