O SAL DO BENTO
Desde a eleição do papa Bento XVI, por quem não nutro efusivas simpatias, a mídia se encontra recheada de elogios e críticas, havendo abobado que já o está considerando santo, num puxa-saquismo pra lá de hiper-pouco-criativo.
Os prós e os contras exagerados não levam a lugar algum, numa época onde o bom senso deve estar estritamente relacionado a uma fé amadurecida nas essências da Tradição, deixando o circunstancial para mote dos mentalmente mais abiscoitados, a escolaridade, aqui, em nada influenciando.
Muitos aplaudidores e críticos ferozes não estão enxergando na devida conta o momento histórico da eleição do novo Chefe da Igreja Católica Romana, tampouco o significado da escolha de um nome pouco atraente, embora eivado de um significado emblemático. O de ajuntador de partes contrárias, tal qual fez o Bento XV (1914 – 1922), um pontífice tido como bom ou acima da média, segundo classificação feita por Richard P. Mcbrien, estudioso do catolicismo e professor de teologia na Universidade de Notre Dame, em seu livro Os Papas (Loyola, 2000). Coube a Bento XV buscar pôr fim a uma guerra mutuamente prejudicial dentro da Igreja Católica, entre os chamados católicos integralistas e católicos progressistas. Foi ele, ainda, o principal responsável pelas inúmeras tentativas de reconciliação entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente, além de ter criado hierarquias nativas nos países missionários. Os turcos erigiram, em Istambul, uma estátua de Bento XV, com os dizeres: “o grande papa da tragédia mundial … benfeitor de todas as pessoas, independentemente de nacionalidade ou religião”.
Creio que os cristãos de todas as denominações deveriam ler, ou reler, o livro-reportagem O Sal da Terra – o cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, editado na Alemanha em 1996, no Brasil em 1997. Trata-se de uma entrevista concedida pelo então cardeal Joseph Ratzinger a Peter Seewald, ex-redator das revistas Spiegel e Stern.
No livro, relato de um encontro classificado como “intenso e sério”, o hoje Bento XVI revela que sempre falava em alemão com João Paulo II nos seus despachos, que nunca ousaria impor à Cristandade suas próprias idéias teológicas e que se esforça para se manter dentro dos limites justos, vendo-se como um moderador numa grande comunidade de trabalho.
Filho de uma Maria com um José, em trecho algum do livro o Cardeal Ratzinger se mostra superior, como alemão, aos demais seres humanos, apesar de ter sido inscrito na Juventude Hitlerista.
Diante da assertiva do entrevistador – Na Idade Média havia bordéis públicos que eram dirigidos, em parte, pela igreja local – o Cardeal Ratzinger revelou uma incomum habilidade erudita: “Há uma passagem em Santo Agostinho que também pergunta: o que se pode fazer nesse caso? E Santo Agostinho responde que, por ser o Homem como é, é melhor, no sentido de um Estado ordenado, que isso exista de modo ordenado”.
Integrando cinco congregações, dois conselhos e uma comissão, Ratzinger julga que se poderia reduzir um pouco a burocracia vaticana, tornando-se a máquina mais efetiva. E no tocante à Teologia da Libertação, ele acredita que foram os mais pobres que fugiram dela, “porque não se sentiram atraídos por uma promessa que era muito intelectual, mas sentiram pura e simplesmente uma perda de consolação e do calor da religião”.
Uma hipótese que bem poderia ser estudada mais amiudemente após o pontificado de Bento XVI: será que a sua fama de cardeal ultra-conservador não teria sido devida a sua irrestrita obediência, por ser o colaborador mais importante, às diretrizes emanadas de João Paulo II, este sim, midiaticamente afável para o exterior e radicalmente concentrador e inflexível para o que emanasse do interior da igreja?
Somente o tempo dirá. E a História saberá bem classificar Bento XVI, seguramente um notável erudito que não ignora o ditado popular formiga sabe que roça come.