O QUE UM AUTISTA GOSTARIA DE INFORMAR


Sendo muito íntimo de uma professora da rede estadual de educação, através dela tomei conhecimento da existência de um sobrinho autista, por ela muito amado. Devidamente orientado, acessei www.ellennotbohm.com, com tradução para vários idiomas, onde a escritora premiada Ellen Notbohm, mãe de dois filhos, um com TDAH e outro com autismo, orienta mães, pais e um monte de gente como melhor entender crianças com autismo, citando as dez “coisas” essenciais para os que ingressam na fase adolescente/adulta.

No Brasil, editado em 2014 pela editora Inspirados pelo Autismo Ltda, de Florianópolis, um livro da Ellen Notbohm me orientou estupendamente sobre o assunto. Intitulado Dez Coisas Que Toda Criança Com Autismo Gostaria Que Você Soubesse e com esmerada tradução da Mirtes Pinheiro, o livro apresenta os “mandamentos” que todos nós, pais, professores, parentes e amigos solidários, deveríamos saber para melhor compreender, sem paternalismos nem pieguismos xaroposos, as necessidades e o potencial de toda criança autista.

Permitam-me os leitores do Jornal da Besta Fubana que tanto admiro, transcrever abaixo as recomendações criadas pela Ellen Notbohm em seu livro acima citado, com algumas considerações da autora sobre cada uma delas:
1. Sou uma criança plena – O autismo é apenas parte do que se é.
2. Meus sentidos estão desordenados – Alguns ambientes parecem ser hostis. A audição pode tornar-se hipersensível. Barulho demais podem alucinar.
3. Procure distinguir entre “não quero” (escolho não fazer) e “não consigo” (não sou capaz de fazer) – Não é que não se ouça as instruções, é que elas não são entendidas. Vá diretamente à criança, ganhe a atenção e fale diretamente a ela utilizando palavras simples.
4. Eu penso de forma concreta. Eu interpreto a linguagem literalmente. – Nunca diga “Pé na tábua!”, nem “Está chovendo canivetes”! Diga “Corra!” e “Está chovendo muito”. Muitas expressões são incompreensíveis para um autista.
5. “Ouça” todas as maneiras pelas quais eu tento me comunicar – O autista tem dificuldade de dizer o que preciso, pois não sabe descrever o que está sentindo. Procure saber o que é “ecolalia”
6. Veja só! Minha orientação é visual. – Um quadro da rotina diária do autista, feito com recursos visuais, muito o ajudará ao longo do dia. Palavras faladas são como fumaça, somem rapidamente antes que ele tenha chance de entender. Mostre como fazer algo, em vez de apenas dizer como. O autista preciso ver algo para aprender
7. Concentre-se naquilo que eu consigo fazer, e não naquilo que eu não consigo fazer. – Todo autista não se torna melhor num ambiente onde seja constantemente levado a sentir que não é bom o suficiente, que precisa de “consertos”
8. Ajude-me a interagir socialmente – O autista não sabe como iniciar uma conversa ou entrar numa brincadeira. Ensine ele a brincar com outras crianças. Fale com ele sobre os sentimentos dos parceiros de brincadeira e ajude-o a sempre perguntar “Você está bem?”
9. Identifique a causa dos meus descontroles. – Lembre-se que tudo que um autista faz é uma forma de comunicação. Seu comportamento pode ter uma causa física.
10. Ame-me incondicionalmente. – Três palavras que nós temos que ter sempre em mente: paciência, paciência e paciência. O autista pode ter dificuldades de fazer contato visual e conversar, mas não mente, não trapaceia nos jogos e brincadeiras, nem julga os outros.

Os trabalhos da Ellen Notbohm já foram traduzidos para dezenove idiomas. E ela foi premiada com a Medalha de Prata do Independent Publishers e com a Medalha de Bronze da Revista ForeWord. No livro acima citado, ela revela as dez coisas que ela quer que seu filho autista saiba, às vésperas dele concluir o ensino médio. Vale a pena refletir sobre cada uma dos seus desejos: Ser um modelo a ser seguido; Nunca abrir mão da integridade; Não desperdiçar o presente pensando só no futuro; Perceber que boas maneiras contam; Ter alguém sempre esperando; Saber pedir ajuda; Ter sonhos, sendo também realista e “empregável”; Manter a expectativa; Votar sempre nas eleições com cidadania; Terminar tudo sempre bem.

A autora finda seu livro profundamente humano e muito bem-humorado, com uma memorável lembrança: O mundo precisa de você. E com uma reflexão imorredoura que deveria ser lida, e muitas outras vezes lida, por todos aqueles que são pais, professores, parentes, dirigentes públicos, assistentes sociais e profissionais da área de saúde: “Não adianta ensinar nossas crianças com autismo se não estivermos dispostos a aceitar e respeitar o fato de que elas pensam de modo diferente; temos de encontrar maneiras eficazes de adaptar a nossa maneira de ensinar. Se não tivermos uma abordagem flexível, se não aceitarmos seu funcionamento mental básico como válido, não poderemos esperar que elas reajam com algum grau de motivação ou desejo de se conectar conosco ou com o nosso mundo. O ideal é um meio termo. Nós mudamos a nossa maneira de pensar o suficiente para conseguir ensinar o aluno de acordo com a sua maneira de pensar. Assim, ele poderá aprender a ficar mais à vontade com a nossa maneira de pensar e a se sentir competente no nosso mundo. Pouco a pouco, a familiaridade entre nós aumenta. Nunca houve uma época melhor para aprender a assumir essa perspectiva diferente, a ‘pensar diferente’. Você e seu aluno aprenderão coisas que nunca souberam que não sabiam”.

PS. Ao concluir a leitura do livro, tornei-me mais responsável por um sobrinho quase de mesmo chamado Gabriel.
(Publicado em 25.05.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves