O PUTHIN, RESISTÊNCIA GOZADORA
No Colégio Salesiano, 1968, um grupo de estudantes secundaristas resolveu criar um jornalzinho para descomprimir a tensão então reinante na sociedade, os coturnos militares soltos na buraqueira, sob a complacência de um sem-número de agachados cívis babaovísticos. Depois da instituição de um Conselho Editorial – Fernando Sardinha, Paulo Monteiro, Aristides Victorino, Paulo Telles, Antônio José Reis, Fred Soter e José Carlos Andrade, hoje talentos profissionais gratos pela educação salesiana recebida – o nome do jornalzinho foi decisão unânime: O Puthin. Título que evocava sutilmente as “fortalezas” situadas no Bairro do Recife, onde jovens se iniciavam nas pedagógicas estratégias fuck-fuckistas. E também a resistência de uma juventude sadia e democrática que muito se angustiava diante dos desaparecimentos, prisões e torturas que aconteciam naqueles tempos no Recife, uma cidade historicamente tida como indomável. Onde Frei Caneca tinha sido arcabuzado em 1817 e Gregório Bezerra, em 1964, arrastado pelas ruas do bairro da Casa Forte, como um animal puxado por corda amarrada no pescoço, sob insultos de um coronel que se imaginava, à época, o próprio cão chupando manga, alienado da lição deixada aos pósteros pelo poeta Mauro Mota, uma das minhas atuais muitas saudades: “Em fiofó de onça morta, todo metido a valente quer enfiar o dedo”.
O Puthin buscava refletir O Pasquim, sucesso jornalístico de então, que bombava o país de fio a pavio, com seu estilo anárquico-esculhambatório, vez por outra empastelado por uma jumentalidade censorial que violentamente sobrepairava ao inexistente Estado de Direito. O jornalzinho dos alunos salesianos não destilava qualquer conotação política, embora com muito humor e criatividade causasse uma euforia danada de boa no meio da estudantada, professores e funcionários, a grande maioria ansiosa para tirar suas “lasquinhas” nos pantins ditadoriais de então. O impacto foi tamanho que até um renomado professor de Matemática, do colégio e de um cursinho pré-vestibular, apelou para o IV Exército encarecendo as providências necessárias, acusando O Puthin de estar atentando contra a segurança nacional. Uma burlesca iniciativa abilolática.
O Puthin era especializado em divulgar fofocas da estudantada, ironizando ainda docentes que estavam aquém da criatividade molecal da época. Também gozava os lambecusistas do pedaço, aqueles que arrotavam feitos inverídicos e flatos catinguentos, estes se revelando retratos típicos de debilitantes manifestações cívicas. E O Puthin, com sagaz inteligência, também elegia figuras do regional, algumas incrivelmente imbatíveis, pelo desempenho excrementício dos seus níveis mentais. E ainda apontava, com sagacidade, os sempre dóceis, emasculados civicamente, sem brios nem honra, que vivenciavam um puxasaquIsmo coturnal perceptível até pelos que deles se encontravam distantes, por intenso sentimento de vergonha.
Numa muito recente festividade de congraçamento, acontecida no Salesiano, o meu amigo e irmão Fernando Sardinha, que veio diretamente da Capital Federal para a solenidade, participou de reunião-relembrança do Conselho Editorial de O Puthin e perguntava quem, hoje, estaria disposto a reavivar o jornalzinho, logicamente sobre novos prismas zombeteiros. Onde poderiam ser escolhidos os pulhas da atual conjuntura política nacional. E todos apostavam que a mais afrontosa das pulhas contemporâneas é a tentativa televisiva de querer impingir uma criatividade musical via remelexos pouco saudáveis dos quadris. Que enalteciam uma chula rabolatria, como se existisse talento explicitado pelo vascolejar do rabistel.
Na lista das pulhas elegíveis certamente também estariam destacadas as futurologias políticas mais desvairadas; os histerismos das ideologias que de há muito já se descoloriram; as religiões televisivas que oferecem mundos e fundos, aos crentes somente restando os fundos; as homeopatias e alopatias que prometem levantar até o que já amoleceu ad perpetuam rei memoriam. E mais: as ciências humanas que se encontram cada vez mais tecnicistas; um ensino privado que ilude pelas ostentações físicas; os novelões televisivos, ora choramingadores, ora explicitamente mostrando todo mundo se esfregando em todo mundo; o asfixiamento de uma sadia sexualidade por um grotesco sexismo sem arte nem inspiração, nem camisinha, tudo mero botox, enfiox, tirox; o cinismo da caridade cristã dita solidária com as vítimas das enchentes; o democratismo bolorento dos que não sabem conjugar com eficácia o binômio democracia x disciplina; as direitas carpideiras, sempre buscando aplicar a lei de oferta e procura com amplos subsídios governamentais; e os meninos drogados de rua tomados como insumos de empreendimentos lucrativos, a merecerem reflexões “científicas” de oportunistas “ispecialistas”.
O jornalzinho, pelo menos em seu número de lançamento, poderia hoje ser comparado a uma salada gostosa de tiradas irônicas, gozações sibilinas, denúncias disfarçadas, fofocas sem maledicências e alguns fuxicos típicos de sacristia, sem nenhum profetismo, ninguém imaginando que, um dia, o nome Puthin viesse a ser importante na Rússia dos tempos de agora.
(Publicada em 08/03/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves