O PRÍNCIPE, 500 ANOS


Já estamos chegando ao último trimestre do ano e ainda não se viu quase nada por aqui sobre as comemorações de 500 anos da existência de O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, uma obra que influenciou o modo de pensar a política e o poder na sociedade do mundo ocidental.

Descendente do ramo pobre da nobreza toscana, Maquiavel nasceu em Florença, em 3 de maio de 1469. Filho de advogado, leu ainda jovem os clássicos, preferencialmente os latinos e italianos, desempenhando vários cargos públicos. Como assessor de embaixador, viajou para a França, conhecendo Luís XIII, também conhecendo César Bórgia, liderança poderosa, filho do papa Alexandre VI, que o inspirou na elaboração de O Príncipe. Casou-se com Marietta Orsini em 1501, com quem teve cinco filhos. Eternizou-se em 1527.

Quando ouvimos alguém dizer que certa pessoa é maquiavélica, somos de imediato tentados a deduzir que ela é inescrupulosa, malúfica, que não mede consequências para conseguir realizar seus objetivos. Para entender melhor a obra e as ideias de Maquiavel, é necessário saber que sua importância no estudo da política está na forma como realizou a separação entre ética e política, abandonando as concepções tradicionais herdadas dos gregos. Na verdade, o que ele fez foi estudar a política baseado em fatos, e não em ideias preconcebidas sobre o que seria uma forma de política ideal.

Desta forma, nota-se em sua obra algumas ideias mais práticas, partindo “das condições nas quais se vive e não das condições segundo as quais se deve viver”. Isso causou uma tremenda reviravolta entre os intelectuais da época, sempre acostumados aos velhos ideais da Grécia antiga. Com sua renovação em estudos sobre políticas e formas de agir, Maquiavel destruiu pretensões morais e religiosas e, ao contrário do que se pensa, ele jamais teve a intenção de criar um modo de tirania perfeita. As ideias de Maquiavel vieram da prática e da observação, pois isso são consideradas de certa forma mais realistas e adaptáveis às condições do homem. Um das ideias de Maquiavel era de que os mais hábeis deveriam usar as ideias religiosas para governar o povo, arrancando dos homens a sua maldade intrínseca e torná-los bons.

Algumas das suas definições e estratégias são até hoje reconhecidas como geniais. Uma delas: “há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis”. Facilmente se pode deduzir desta reflexão que a grande maioria dos componentes do Congresso Nacional e das assembleias e câmaras de vereadores do Brasil está perfeitamente ajustada na categoria terceira, em razão de uma política pública de cidadanização propositadamente tacanha, que não busca despertar uma “transitividade crítica”, tal e qual sonhada pelo educador Paulo Freire, hoje com seu método ainda efetivamente pouco adotado na educação fundamental e na educação de jovens e adultos.

Quatro capítulos de O Príncipe deveriam servir de motes para seminários e debates nos cenários parlamentares brasileiros, Congresso Nacional, Assembleias e Câmaras de Vereadores das capitais, onde atualmente inescrupulosos fantasiados de políticos censores teimam em continuar enganando as comunidades por eles representadas, desapercebendo-se das manifestações contestatórias que se avolumam em suas direções, lamentavelmente pouco pacificadoras: Cap. VIII – Dos que alcançaram o principado pelo crime; Cap. XV – Das razões por que os homens, e especialmente os Príncipes, são louvados ou censurados; Cap. XIX – De como se deve evitar o ser desprezado e odiado; Cap. XXIII – Como se devem evitar os aduladores.

Uma lição final, oportunamente maquiavélica, no sentido positivo: “tendo o governante necessidade de saber usar bem a natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão, pois o leão não sabe se defender das armadilhas e a raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos. Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas e leão, para aterrorizar os lobos.” Atualmente, no cenário político brasileiro, pululam ratos de todos os tamanhos, piranhas de mil e uma posturas sedutoras e mil e tantos ladravazes de colarinhos brancos. Somente deletados pelas manifestações comunitárias conscientes, rejeitadoras de oportunistas predadores dos erários públicos. Manifestações pacíficas que devem saber fazer a hora, não esperando pelos amanhãs dos engabeladores de todos os quadrantes.

PS. A presidente Dilma necessita ler O Príncipe, de Maquiavel, promovendo sistemáticos debates ministeriais sobre o texto. Para assimilar modos estratégicos de combater a intromissão indébita entre países. Nunca fazendo das acusações de espionagem uma válvula de escape para incompetências governamentais, inclusive na nomeação de ministros de quinta categoria, bajuladores do imperialismo do norte.

(Publicada em 09.09.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves