O JESUÍTA DO REI


Quando da passagem do papa Francisco pelo Brasil, um jesuíta que encantou, um amigo de Curitiba me envia e-mail sobre um livro esclarecedor. De autoria de Ronaldo Vainfas, Antônio Vieira: jesuíta do rei integra a coleção Perfis Brasileiros.

Nascido em Lisboa, 1608, Vieira passou infância e juventude na Bahia, com breve passagem por Olinda. Na Bahia, iniciou sua trajetória de orador sacro, missionário e político, tendo acompanhado o drama das invasões holandesas. Morou ainda oito anos no Maranhão e Grão-Pará, entre 1653 e 1661, defendendo a liberdade dos índios contra as ganâncias escravagistas dos colonizadores, apesar de fazer apologia da escravidão africana. Voltando à Bahia, no final da vida, eternizou-se lúcido em 1697. Muito amado e também muito odiado.

No livro, Vainfas explicita o perfil combativo de Antônio Vieira, detalhando duas grandes causas defendidas pelo padre: a luta pela legitimação do reinado de Dom João IV, o duque de Bragança, que findou com a dominação espanhola em terras lusas; e a defesa dos cristãos-novos contra a Inquisição, seja por questões religiosas, seja porque ele considerava muito o suporte financeiro dos judeus à guerra de restauração. Ressalta ainda o autor o conservadorismo social do maior pregador português do século XVII: ideólogo das hierarquias tradicionais, sempre em defesa da ordem, cabendo aos dominados obedecer a seus senhores, por mais injustas que fossem as tiranias, sempre acenando com as glórias celestiais para os oprimidos.

Uma infeliz ideia do padre Vieira foi a de sugerir ao rei a entrega de Pernambuco aos holandeses, sendo acusado de “Judas” pelos restauradores. Segundo Vainfas, “Antônio Vieira considerava a rebeldia pernambucana uma irreponsabilidade, pois expunha o reino a uma nova frente de batalha, agora contra a Holanda, como se não bastasse o imenso esforço de guerra dos portugueses contra o exército espanhol nas fronteiras do reino. Se acaso a Holanda declarasse guerra a Portugal e, em vista disso, a Espanha retomasse a Coroa de d. João IV, toda culpa seria dos rebeldes pernambucanos, que, lutando por sua liberdade no Brasil, conduziriam Portugal ao cativeiro que se tinha livrado em 1640”.

Sobre a inteligência e malícia do padre Vieira são contados dois episódios. Certa feita, quando um cônego o encontrou em Lisboa e perguntou: “De quem sois, meu menino?”. A resposta veio de bate-pronto: “Sou de Vossa Mercê pois me chama seu”. Numa outra oportunidade, perguntaram de onde ele era. Resposta: “Vossa Mercê não me conhece”. Argumentaram: “Eu conheço metade do Mundo”. E o troco não tardou: “Pois, Senhor, eu sou da outra metade”.

Segundo Fernando Pessoa, Vieira foi “o imperador da língua portuguesa”.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 04.10.2013
Fernando Antônio Gonçalves