O BARBA E O BARBUDO
Nos últimos tempos, nunca se falou tanto em duas personagens históricas do mundo político contemporâneo. Um deles, Lula da Silva, cognominado Barba, está sendo analisado como o mais extraordinário exemplo de enriquecimento brasileiro: um migrante que saiu do agreste pernambucano, em SP virou metalúrgico, conquistou a simpatia dos companheiros de sindicato, elegeu-se líder da categoria, tornando-se presidente da república por dois mandatos consecutivos, amealhando uma conta bancária estupenda e outras histórias mil, algumas delas reveladas pelo filho do Romeu Tuma, policial de bom conceito já falecido, seu amigo de papos e confidências, indicações e mil e um informes.
O barbudo, nascido Karl Marx em 5 de maio de 1818, na Renânia, descendente de uma linhagem de judeus holandeses, estudante mediano do Ginásio Trier, com talento específico para a escrita, demonstrando aspirações para agir no interesse comum, admirador de Hegel, torna-se doutor, em abril de 1941, defendendo a tese A diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Autor de O Capital, cujo primeiro volume foi publicado em 1867, em Hamburgo, pelo editor Otto Meissner, resultado de seus exaustivos estudos efetivados no Museu Britânico, onde permanecia todos os dias das nove da manhã às sete da noite, à exceção dos domingos, destinados a passeios com familiares.
Para o Barba, a história se encarregará de julgar seus feitos financeiros e efeitos políticos, quando analistas menos entusiasmados, de todos os matizes ideológicos, souberem interpretar papéis e denúncias, diferenciando amizade entre contrários e dedodurismo perverso que assassinou centenas de idealistas militantes.
Já para o barbudo, diante de seus escritos elaborados para estudiosos e analistas de fecunda formação humanista, dois livros recentes merecem atenção. Editado pela Boitempo Editorial, o primeiro é Para Entender o Capital, de David Harvey, geógrafo britânico e professor de antropologia na pós-graduação da cidade de Nova York, cujo curso sobre O Capital de Marx já teve mais de 300 mil acessos, desde quando foi disponibilizado no site da University of New York – Cuny, em 2008.
O segundo, de autoria de Daniel Bensaid e ilustrações bem humoradas de Charb, intitula-se Marx, manual de instruções, mostra como o barbudo era radicalmente crítico às ortodoxias e fanatismos, sempre aberto à autocríticas e aos movimentos contraditórios cambiantes que sobrevivem em todo tempo social. Uma leitura que faz melhor compreender e transformar o mundo deste pouco elucidativo século XXI, cada vez mais dominado pelo fetichismo da mercadoria e envolvido por uma grave crise do capital, sob a desvalorização crescente de um humanismo cada vez tido e havido como superado por uma tecnocracia que nada entende de cavalinhos azuis.
Relembrando Jacques Derrida: “Será sempre um erro não ler, reler e discutir Marx. Será um erro cada vez maior, uma falta de responsabilidade teórica, filosófica e política.
(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 07.03.2014
Fernando Antônio Gonçalves