NOTAS PESSOAIS DE ARQUIVO


1. Parabenizar as professoras-pesquisadoras Maria Luiza Tucci Carneiro e Raquel Mizrahi, organizadoras da coleção Vozes do Holocausto, projeto tornado realidade pela preservação da história e da memória dos judeus refugiados do nazifascismo no Brasil, pela edição de Histórias de Vida – Refugiados do Nazifascismo e Sobreviventes da Shoah – Brasil: 1933-2017, 2 volumes, São Paulo, Editora Maayanot, 2017. Através de narrativas dos perseguidos, emerge um imenso universo de recordações de traumas provocados por genocidas assassinos, num amontoado de pequenas alegrias sobrevivenciais. Entre os refugiados, encontra-se Otto Maria [Karpfen] Carpeaux (1900-1978), que muito dignificou a Cultura Brasileira.

2. Quem estuda a Doutrina Espírita com afinco e o propósito de se reformular intimamente, também pugnando por um mundo exterior de mais harmonia fraternal entre os povos, cidadanizando os mentalmente desligados por conveniência ou conivência, inevitavelmente se depara com uma convergência profundamente salutar entre a Mensagem do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, a Codificação de Allan Kardec e as Mensagens transmitidas por Emmanuel para Francisco Cândido Xavier, o saudosamente sempre lembrado Chico Xavier.
Para melhor conhecer o pensamento de Emmanuel, o livro de um sergipano chamado José Martins Peralva Sobrinho (1918-2007) serve como farol e guia: O Pensamento de Emmanuel, Martins Peralva, 9ª., BSB, Editora FEB, 2016, 279 p. Na Introdução do livro, o próprio autor delineia o papel de cada um deles: o Divino Amigo, no histórico cenário da Palestina, legando à Humanidade uma mensagem de eterno amor e ilimitada sabedoria; o missionário lionês Kardec, na França do século XIX, restaurando em sua plenitude a pureza da mensagem do Nazareno; e Emmanuel, que na época de Jesus era o senador Públio Lentulus, que se utiliza dos recursos mediúnicos de Chico Xavier, para reavivar, aos quatro cantos da terra, o esplendor da mensagem cristã, ao tempo que também coordena a expansão da filosofia kardequiana, aplicando-a às necessidades de um mundo conturbado, no caminho de uma restauração de muita luz. E ainda disse Martins Peralva: “O objetivo de O pensamento de Emmanuel é o de levar aos que nos honrarem com a sua leitura, temas de O Livro dos Espíritos, interpretando-os segundo a pobreza de nosso entendimento e amparados pelos amigos espirituais, nele incluindo assuntos estudados por Emmanuel no 103º. livro mediúnico de Chico Xavier, Vida e sexo.”

3. Frequentemente se diz ser “muito diáfana a linha divisória entre a sanidade e o desequilíbrio mental”, mormente quando o atual mundo dito desenvolvido se encontra acometido de um acelerado decrescimento dos humanismos embasados num saber crítico voltado para um maior conhecimento do ser humano, proporcionando-lhe potencialidades capazes de desenvolver energias criativas interiores paralelas ao dinâmico crescimento tecnológico contemporâneo. Vivemos numa sociedade onde as neuroses e as psicoses, as ânsias desmedidas de fama e poder, mães primeiras dos escandalosos níveis de corrupção nos mais variados setores, estão vitimando homens e mulheres pouco críticos, dotados de uma alfabetização mínima e um nível consciencial de leitura quase nulo. Fatores provocadores de fundamentalismos ideológicos e religiosos de recuperação imensamente obstaculizada pelos diversos meios de comunicação que propagam mediocridades as mais deletérias, contaminadoras por excelência de outras mentes, dotando-as de alienações portentosas e ânsias tenebrosas de ganhos fáceis. Recomendo a leitura de um livro famoso, do psicanalista Contardo Calligaris, intitulado Hello, Brasil! e outros ensaios, editado pela Três Estrelas, SP, no ano passado, uma efetiva tentativa de psicanalisar a nossa estranha e fascinante civilização tropical.

4. Uma certeza que muitos se esquecem ainda hoje: as religiões não são a divindade, emanando todas elas das sociedades criadas. Divindade é um conceito metafísico, puramente metafísico. E o sentimento religioso provém das consciências, desde as origens humanas. Não existe sociedade sem religião, proclamava Henri Bergson. E um outro livro desenvolve explicações sobre a natureza da necessidade das sociedades de possuírem um deus, independentemente das instituições religiosas. Trata-se de História Geral de Deus – Da Antiguidade à Época Contemporânea, Gerald Messadié, editora Mem Martins, Portugal, 2001, 576 p. O autor é jornalista e pesquisador francês, nascido em 1931 e especializado em Religião, assim se definindo no livro: “Não acredito no ateísmo, mas não acredito na revelação. Os ateus são desencantados e os defensores da revelação assassinos em potência. Acredito nesse Deus desconhecido para o qual os Atenienses tiveram a sabedoria de reservar um soco (pedestal) sem estátua. E dirijo-me a todos aqueles que, como eu, se esforçam por seguir a difícil vereda que passa pelos desertos da negação e pelos abismos da certeza. Não existe aí moderação, mas uma outra fé, e tenaz.”
O livro é dividido em duas grandes partes: Da Grande Deusa Pré-Histórica ao Grande Mecânico de Platão, e De Mitra às Loucuras do Obscurantismo Moderno. Messadié declara que “a noção de Deus é irresistível. Ela é uma projeção de um Eu que não consegue admitir os seus limites e particularmente o da morte. … Nada é mais racional que a ideia de Deus.” Ele se diz sempre espantado com as hostilidades entre racionalistas e religiosos, só detectando uma diferença: enquanto os primeiros são modestos e não pretendem ter compreendido tudo, os segundos garantem que não há mais nada a aprender. A conclusão do livro é surpreendentemente franca: “Existe um único edifício no mundo, um único que merece respeito universal. É modesto e despojado. Encontra-se em Houston, a pouca distância do Museu de Arte Moderna. Construído graças â ação de uma mulher, Jacqueline de Mesnil, está aberto a todos os ritos, xintoísta ou judeu, muçulmano ou cristão, casamentos, batismos, funerais. Foi ele que, há muitos anos, em grande parte me inspirou este trabalho”.

5. Um baita chute nos bagos e ovários dos que imaginavam nosso país um eterno país do futuro, uma pátria grande, onde reinaria uma dignificante redistribuição de renda, onde todas as etnias e sexualidades conviveriam em camaradagem frutificante, onde os melhores teriam seu lugar de destaque e a mediocridade seria reduzida a um nível reles, amplamente desvantajoso: o livro Brasil: uma biografia não autorizada, Francisco de Oliveira, São Paulo, Boitempo, 2018, 174 p. Contendo artigos, ensaios e entrevistas publicadas entre 1997 e 2016, e uma apresentação pouco digestiva de Fábio Mascaro e Ruy Braga, o livro retrata a caminhada de um sociólogo e economista jamais dissociado da mutável realidade brasileira. Ressalta frustrações e desencantos de um pernambucano de esquerda sem papas na língua que está vivenciando a barbárie capitalista globalizante que hoje prospera além das nossas fronteiras. Um crítico feroz que foi fundador do PT, um partido hoje tão ilusionista quanto os demais. Um livro destinado para todos aqueles que imaginam o Brasil acima de qualquer suspeita, Macunaíma tendo sido apenas título de filme famoso do saudoso Grande Otelo.

(Publicado em 12.03.2018 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves