NOTAS DE CAMINHEIRO


1. Sempre é bom relembrar uma citação famosa, em tempos de crise planetária: “O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, persuasor permanente; da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se chega a ‘dirigente’, especialista mais político.” Autoria de um pensador sempre lido, Antônio Gramsci.

2. Uma novela, Avenida Brasil, proporciona excelentes reflexões sobre o atual modo de viver do brasileiro, principalmente os das classes possuidoras de alguns bons trocados. A crise brasileira, que também se incorpora gradativamente a uma crise mundial, não pode ser enfrentada com pão-de-ló e perfumarias. Ela prenuncia o fim de uma era, início de uma nova fase, onde inúmeros estão despreparados para um assumir consequente. A ausência de uma profissionalidade comprometida com a transformação do hoje está levando inúmeros, os mais desatentos, a uma não conformação com o fortalecimento do setor político, gerando um outro componente daquele caldo cultural que carrega dupla tendência: uma, a de ser hipercrítica em relação a tudo aquilo que desagrada; a outra, a de ser subcrítica diante daquilo que concorda. E os hiper e os sub não estão ampliando a cidadania brasileira. Estão, sim, deixando os senhores políticos sem densidade criativa e com uma frágil consciência acerca dos problemas comunitários, eivando-os de anacronismos os mais desconcertantes. A ver nas eleições municipais de outubro próximo.

3. Reli, outro dia, o Bê-a-Bá de Pernambuco, do poeta de Mauro Mota, repleto de significativos apontamentos. Quem é que sabe, por exemplo, que Pernambuco vem de Paranã-puka, denominação dada pelos caetés à abertura feita pelas águas nos arrecifes do nosso porto natural? Quem é que sabe que Jerônimo de Albuquerque carregava o apelido de Adão Pernambucano, tamanho era o número de amantes e filhos? No Bê-a-Bá de Pernambuco constatamos o uso de palavras africanas. Muitos nem imaginam que bunda é uma palavra africana. Como inúmeras outras do nosso cotidiano: banana, angu, samba, mucambo, garapa, cabaço, fuzuê, mulungu, angu, bugiganga e carimbo. Além de moleque, mulungu, caçula, cafuné e cambada. Releitura que me deixou mais saudoso do inesquecível poeta, meu ex-diretor do então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, uma instituição que foi uma universidade para a minha profissionalidade.

4. O instante político brasileiro está muito propício para quadros técnicos politizados, dotados de boas noções acerca do social, para ampliar a eficácia das políticas governamentais dos diferenciados setores, respeitadas as peculiaridades regionais e sub-regionais, urbanas e rurais. Entretanto, cientistas políticos consequentes estão advertindo: o excesso de participação aparentemente efetiva, apenas para inglês ver, pode ter como efeito a saciedade da política e o aumento da apatia eleitoral.

5. Muitos estão cientes de que “em casa onde não há pão, todos gritam e ninguém tem razão.” Quando os níveis de desemprego se agigantam na Europa e os “bicos” tornam-se mais escassos, os roncos estomacais se avolumam, incomodando famintos e saciados, os últimos ainda desatentos para a lição histórica: “quem semeia ventos colhe tempestades.” E as tempestades são más conselheiras, atraem patas e chibatas, messianismos autoritários e autoritarismos messiânicos, independentemente de classes sociais. O “maldito” Wilhelm Reich, em 1942, já repetia incessantemente: “A psicologia marxista, desconhecendo a psicologia de massas, opôs o burguês ao proletário. Isso é psicologicamente errado. A estrutura do poder não se limita aos capitalistas, atinge igualmente os trabalhadores de todas as profissões. Há capitalistas liberais e trabalhadores reacionários. O caráter não conhece distinções de classe.”

6. Outro dia, me deparei com um testemunho pra lá de inacreditável. Um jovem intelectualmente bem dotado, atlético nos seus vinte e oito anos, declarava que passava inúmeras vezes por medíocre para evitar a rejeição social. A superdotação destruída pela caretice social!! Pelos bundões que arrotam prepotência, confundindo sexualidade com genitalidade assentada em modernos modelos automobilísticos, direção eletrônica, além de iPads, iPhones e troços mil outros capazes de reduzir seu indisfarçável QI de primata. Somos um país naturalmente vocacionado para uma irreversível liderança continental. E pouco a pouco vamos percebendo, todos os mais responsáveis, que os oportunismos populistas não beneficiam ninguém. Nem faraós nem tupiniquins. Tampouco fiéis e ateus. Necessário apenas não deixar para amanhã o que se pode alertar hoje. A nação brasileira fascinará o mundo inteiro, estou convencido. Um dia, breve embora não muito ainda, a maturidade da convivialidade nacional chegará. Aí todos perceberão que somente sobreviverão se todos agirem como se fossem brasileiros consequentes, cada um dominando plenamente a cartilha dos seus direitos e dos seus deveres. Quem sobreviver, vivenciará.

(Publicada em 07.04.2012, no Jornal da Besta Fubana)
Fernando Antônio Gonçalves