NABUCO, SOB FABIANA MORAES


Li no final de ano, com intenso entusiasmo, um livro que foi merecedor dos prêmios Embratel e Cristina Tavares, editado pela Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, hoje sob o comando empreendedor do escritor Paulo Gustavo, companheiro FUNDAJ e admiração minha de longa data. Um livro-reportagem intitulado Nabuco em pretos e brancos, de Fabiana Moraes, aplaudida jornalista e também Doutora em Sociologia. Um escrito muito elogiado que integrou as comemorações centenárias da morte de Joaquim Nabuco, de nascimento Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, nascido a 19 de agosto de 1849 e eternizado em 17 de janeiro de 1910, em Washington, de congestão cerebral.

O texto introdutório A cor de um país, do jornalista Ivanildo Sampaio, diretor de redação do Jornal do Commercio, se inicia com a citação de versículos do Cântico dos Cânticos (1,5-6), onde uma negra formosa pede aquietações diante do sombreado da sua pele. Já naquela época alertando para as diferenciações étnicas. Ivanildo ressalta nossa miscigenação racial ao longo da nossa curta história de pouco mais de 500 anos, ainda que muitas vezes violentada, aqui e ali, por discriminações das mais variadas densidades patológico-culturais, onde o fator pobreza influencia significativamente. E praticamente denuncia as raivosidades emitidas contra o ministro negro Joaquim Barbosa, hoje presidente do Superior Tribunal Federal, provavelmente destinado a iniciar a libertação do país de uma corrupção desenfreada que enoja e denigre a imagem do país no exterior, além de estabelecer uma pergunra por demais inquietante: “por que são tão poucos os padres negros da Igreja Católica, aquela para quem todos são iguais perante Cristo?”

A Fabiana Moraes, premiada repórter que já carrega em sua trajetória profissional três Prêmios Esso de Jornalismo, enumera relatos de personagens que vivenciaram discriminações raciais agravadas pela situação de extrema pobreza. Onde, em múltiplas circunstâncias, quem mais discrimina a raça negra são aqueles que não são brancos, mas que exprimem preconceito para se passarem por “ariano”.

No trabalho da jornalista Moraes, segundo Ivanildo Sampaio, “Nabuco é visto por ângulos pouco explorados e conhecidos, quando se descobre a riqueza das suas contribuições, vital para o entendimento da sociedade contemporânea.” Que por ela são magistralmente expostos, em páginas que agregam pesquisa de campo, levantamento documental, ampla revisão bibliográfica e inúmeras consultas feitas a especialistas nos assuntos relatados. No seu livro, Fabiana reproduz cartas, textos e artigos inéditos escritos sobre o notável abolicionista, efetivando amplas consultas ao acervo documental da Fundação Joaquim Nabuco, que firmou sementeira parceria com o Jornal do Commercio, nicho profissional da autora premiada.

Na Introdução feita para o seu premiado livro Nabuco em pretos e brancos, Fabiana Moraes indaga: “Onde o empoderamento social pode clarear ou escurecer (se ausente) todo um grupo ou mesmo uma população?”. E uma leitura atenta do texto laureado dela muito bem explica a mudança ocorrida depois da pergunta feita por um prefeito do interior pernambucano à sua esposa – “Quem é aquele negrinho que está conversando com a nossa filha? – quando ele soube que o rapaz era filho de um grandão de Pernambuco, à época governador de Pernambuco – “Moreninho jeitoso”.

O livro da Fabiana nos possibilita assimilar com mais solidariedade cidadã o pensar profético do abolicionista Joaquim Nabuco: “O nosso caráter, o nosso temperamento, a nossa organização toda, física, intelectual e moral, acha-se terrivelmente afetada pelas influências com que a escravidão passou trezentos anos a permear a sociedade brasileira. A empresa de anular essas inluências é superior, por certo, aos esforços de uma só geração, mas enquanto essa obra não estiver concluída, o abolicionismo terá sempre razão de ser”.

Vale a pena uma leitura integral, pausadamente reflexionada para os tempos de agora, quando um Joaquim Barbosa, hoje presidente do STF, é o terceiro negro a ocupar uma cadeira naquela Corte Suprema. Um filho de pedreiro que também leu o Joaquim de Pernambuco, com ele concordando de pronto quando disse: “Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de 300 anos de cativeiro, isto é, de depotismo, superstição e ignorância”.

Para se enfronhar melhor nas quase duas dezenas de obras deixadas por Joaquim Nabuco, nada melhor que uma inicial atenta leitura do livro da Fabiana Moraes, que também tem seu sonho, o de ver um dia, em Pernambuco, “cavalcantis e cavalgados” irmanados numa só caminhada desenvolvimentista, onde todos sejam reconhecidos como filhos de um Nordeste, Nabucos e Severinos de Maria pelejando por uma libertação social e econômica que já está tardando há muito tempo.
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Fernando Antônio Gonçalves é professor universitário e pesquisador social.

(Publicada em 21.01.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves